Quem é Maria Madalena
«(…) Em suma, é essa Madalena que muitos historiadores
denominam mulher híbrida, a saber:
- Maria, irmã de Marta e de Lázaro;
- a pecadora anónima que ungiu Jesus na casa de Simão, o fariseu;
- Maria Madalena, de quem Jesus expulsou sete demónios.
A confusão da identidade das três mulheres remonta ao século
III, e foi no final do século VI que o papa Gregório Magno (540-604)
pôs fim à questão ao declarar que Maria
Madalena, Maria de Betânia e a pecadora anónima eram a mesma pessoa. Apesar
de muitos séculos se terem passado e a visão de Madalena ter mudado para a
Igreja, essa declaração de Gregório Magno ainda suscita discussões. De acordo
com os relatos dos Evangelhos, nada há contra a moral de Maria Madalena, pois
estar possuído por sete demónios não era considerado pecado. Ao se fazer uma
leitura atenta dos factos, não se chega à conclusão de que Maria Madalena tenha
sido uma mulher adúltera. O que acontece é que, ao ser identificada com a
pecadora anónima de Lucas e com Maria de Betânia, incorpora a mulher de cabelos
longos e soltos que serviram para secar os pés de Jesus. Essa imagem evoca a feminilidade e também a sexualidade, que induz a
uma associação com o pecado.
Hoje a Igreja reconhece em Maria Madalena a mulher de quem
Jesus expulsou sete demónios; a que seguiu e serviu Jesus nas pregações; a que
acompanhou a Paixão e a morte de Jesus e como a primeira testemunha da
Ressurreição. Em 1978, os
epítetos penitente e pecadora foram suprimidos da seção
dedicada a Maria Madalena no Breviário Romano, eliminando assim um estigma que
havia sido acentuado, principalmente por ocasião da Contra-Reforma, quando
Maria Madalena teve a importante função de ser o exemplum. Completamente contra o protestantismo e a doutrina da
graça e da predestinação, a Contra-Reforma enfatizou a doutrina da penitência e
do mérito. Nessa época, séculos XVI e XVII, Maria Madalena exerceu um
importante papel como a pecadora-penitente e como a pessoa que foi favorecida
por excelência.
Nos evangelhos apócrifos, Maria Madalena não aparece como
pecadora penitente, no entanto, em alguns textos, ela é a companheira de Jesus,
ou seja, ela teria sido casada com Jesus. Maria Madalena nesses textos é a
discípula preferida, aquela que mais compreende as palavras do Mestre e muitas
vezes causa ciúme entre os discípulos:
- O termo apócrifo, na antiguidade, era atribuído a livros cujo acesso era reservado aos iniciados ou que não se deviam ler em público. Desde o século IV, isto é, depois que foi fixado e fechado o cânon das Sagradas Escrituras, o nome tomou na Igreja cristã uma conotação negativa, ao mesmo tempo uma significação bastante imprecisa: são declarados apócrifos livros não canónicos que, em certos casos, teriam sido compostos ou utilizados por hereges e que seriam posteriores aos textos canónicos. Há textos apócrifos que fazem parte da literatura cristã, como: os de origem judaica, depois cristianizados; textos cristãos compostos nos três primeiros séculos e textos cristãos compostos após a fixação do cânon, como, por exemplo, narrações da infância de Jesus, vidas hagiográficas de apóstolos e de figuras bíblicas.
Dentre os textos apócrifos, alguns acrescentaram informações
que se tornaram histórias na tradição cristã. Outros, pelo conteúdo de
mistério, deram origem às seitas gnósticas. A pesquisa sobre Maria Madalena nos
Evangelhos Canónicos leva à frustração, pelo escasso número de dados que
revelam a identidade dessa mulher. Ela também não é citada nos Actos dos Apóstolos,
nas Epístolas, nem no Apocalipse de João, mesmo tendo sido citada, enquanto
personagem híbrida, dezoito vezes nos Evangelhos. O silêncio dos apóstolos em
relação a Maria Madalena desperta em Dauzat uma reflexão crítica e ao mesmo
tempo poética:
- Bem-aventurada encarnação do niilismo cristão, Madalena pode-se apagar. Sua vida é breve, muito breve. Ela vai desaparecer nos Actos dos Apóstolos e das Epístolas. Nem Paulo, naturalmente, nem Pedro não dão um piu sobre ela. Mesmo João não acreditou na importância de falar sobre ela nas suas cartas, nem no Apocalipse. Para todos aqueles que seguem, ela inexiste. Uma terceira vez, Maria Madalena não existe: Non mi bisogna e non mi basta, dizem em coro todos os apóstolos, Eu não preciso mais dela e ela já não me basta.
Já Esther de Bôer faz referência à Carta aos Romanos, tentando
provar uma possível citação paulina onde são mencionadas algumas missionárias,
incluindo Maria: Saudai Maria, que muito
trabalhou por vós. Segundo a autora, essa Maria poderia ser Maria Madalena.
Sabe-se, pelas evidências bíblicas, que o nome Maria ocorria muito em Israel. Actualmente,
embora não haja confirmação, alguns estudiosos pressupõem que uma das razões
para esse facto seria a popularidade da princesa Mariane, esposa de Herodes, o
Grande, o rei dos hebreus que teria sido o responsável pelo assassinato das
crianças na época em que Jesus nasceu. De acordo com Paulo, Maria trabalhou muito para a comunidade em
Roma. Essa é a mesma expressão que Paulo usa frequentemente para definir o seu
próprio trabalho missionário. Se uma das Marias do Novo Testamento parece,
provavelmente, candidata ao trabalho missionário fora da Palestina, poderia ser
Maria Madalena. Mais do que qualquer outra Maria, como ela passou a juventude
na cidade de Magdala, estava familiarizada com a cultura helenística e com as
diferentes nacionalidades do Império Romano. A questão que permanece é por que
Paulo omite Madalena. Uma das
respostas é que ele não dá nenhum epíteto aos nomes que menciona. Além do mais,
ele não menciona nenhuma outra Maria. Não há, todavia, na literatura apócrifa,
um maior acúmulo de dados históricos a respeito de Maria Madalena. Além disso,
os eventuais elementos de autenticidade histórica que se poderiam averiguar não
são controláveis.
O que se poderia buscar na literatura apócrifa é uma
comparação de perspectivas e um aumento de conhecimentos em relação à
interpretação. Alguns textos apócrifos, reservados
e secretos, revelam uma Maria Madalena amada por Jesus de uma forma
diferente, uma discípula que não
apenas o servia, porém uma líder que fazia sombra a Pedro, causando ciúme na
comunidade apostólica. Ela é também o espírito da sabedoria o
que a torna um prato cheio
para o gnosticismo que surgiria a partir do primeiro século da Era Cristã». In Wilma
Steagall Tommaso, Maria Madalena nos Textos Apócrifos e nas seitas Gnósticas, Revista Último Andar nº 14, Junho, 2006.
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