segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Maria Madalena nos Textos Apócrifos e nas seitas Gnósticas. Wilma Steagall Tommaso. «Uma discípula que não apenas o servia, porém uma líder que fazia sombra a Pedro, causando ciúme na comunidade apostólica. Ela é também o “espírito da sabedoria” o que a torna um ‘prato cheio’ para o gnosticismo»

Cortesia de wikipedia

Quem é Maria Madalena
«(…) Em suma, é essa Madalena que muitos historiadores denominam mulher híbrida, a saber:
  • Maria, irmã de Marta e de Lázaro;
  • a pecadora anónima que ungiu Jesus na casa de Simão, o fariseu;
  • Maria Madalena, de quem Jesus expulsou sete demónios.
A confusão da identidade das três mulheres remonta ao século III, e foi no final do século VI que o papa Gregório Magno (540-604) pôs fim à questão ao declarar que Maria Madalena, Maria de Betânia e a pecadora anónima eram a mesma pessoa. Apesar de muitos séculos se terem passado e a visão de Madalena ter mudado para a Igreja, essa declaração de Gregório Magno ainda suscita discussões. De acordo com os relatos dos Evangelhos, nada há contra a moral de Maria Madalena, pois estar possuído por sete demónios não era considerado pecado. Ao se fazer uma leitura atenta dos factos, não se chega à conclusão de que Maria Madalena tenha sido uma mulher adúltera. O que acontece é que, ao ser identificada com a pecadora anónima de Lucas e com Maria de Betânia, incorpora a mulher de cabelos longos e soltos que serviram para secar os pés de Jesus. Essa imagem evoca a feminilidade e também a sexualidade, que induz a uma associação com o pecado.
Hoje a Igreja reconhece em Maria Madalena a mulher de quem Jesus expulsou sete demónios; a que seguiu e serviu Jesus nas pregações; a que acompanhou a Paixão e a morte de Jesus e como a primeira testemunha da Ressurreição. Em 1978, os epítetos penitente e pecadora foram suprimidos da seção dedicada a Maria Madalena no Breviário Romano, eliminando assim um estigma que havia sido acentuado, principalmente por ocasião da Contra-Reforma, quando Maria Madalena teve a importante função de ser o exemplum. Completamente contra o protestantismo e a doutrina da graça e da predestinação, a Contra-Reforma enfatizou a doutrina da penitência e do mérito. Nessa época, séculos XVI e XVII, Maria Madalena exerceu um importante papel como a pecadora-penitente e como a pessoa que foi favorecida por excelência.
Nos evangelhos apócrifos, Maria Madalena não aparece como pecadora penitente, no entanto, em alguns textos, ela é a companheira de Jesus, ou seja, ela teria sido casada com Jesus. Maria Madalena nesses textos é a discípula preferida, aquela que mais compreende as palavras do Mestre e muitas vezes causa ciúme entre os discípulos:
  • O termo apócrifo, na antiguidade, era atribuído a livros cujo acesso era reservado aos iniciados ou que não se deviam ler em público. Desde o século IV, isto é, depois que foi fixado e fechado o cânon das Sagradas Escrituras, o nome tomou na Igreja cristã uma conotação negativa, ao mesmo tempo uma significação bastante imprecisa: são declarados apócrifos livros não canónicos que, em certos casos, teriam sido compostos ou utilizados por hereges e que seriam posteriores aos textos canónicos. Há textos apócrifos que fazem parte da literatura cristã, como: os de origem judaica, depois cristianizados; textos cristãos compostos nos três primeiros séculos e textos cristãos compostos após a fixação do cânon, como, por exemplo, narrações da infância de Jesus, vidas hagiográficas de apóstolos e de figuras bíblicas.
Dentre os textos apócrifos, alguns acrescentaram informações que se tornaram histórias na tradição cristã. Outros, pelo conteúdo de mistério, deram origem às seitas gnósticas. A pesquisa sobre Maria Madalena nos Evangelhos Canónicos leva à frustração, pelo escasso número de dados que revelam a identidade dessa mulher. Ela também não é citada nos Actos dos Apóstolos, nas Epístolas, nem no Apocalipse de João, mesmo tendo sido citada, enquanto personagem híbrida, dezoito vezes nos Evangelhos. O silêncio dos apóstolos em relação a Maria Madalena desperta em Dauzat uma reflexão crítica e ao mesmo tempo poética:
  • Bem-aventurada encarnação do niilismo cristão, Madalena pode-se apagar. Sua vida é breve, muito breve. Ela vai desaparecer nos Actos dos Apóstolos e das Epístolas. Nem Paulo, naturalmente, nem Pedro não dão um piu sobre ela. Mesmo João não acreditou na importância de falar sobre ela nas suas cartas, nem no Apocalipse. Para todos aqueles que seguem, ela inexiste. Uma terceira vez, Maria Madalena não existe: Non mi bisogna e non mi basta, dizem em coro todos os apóstolos, Eu não preciso mais dela e ela já não me basta.
Já Esther de Bôer faz referência à Carta aos Romanos, tentando provar uma possível citação paulina onde são mencionadas algumas missionárias, incluindo Maria: Saudai Maria, que muito trabalhou por vós. Segundo a autora, essa Maria poderia ser Maria Madalena. Sabe-se, pelas evidências bíblicas, que o nome Maria ocorria muito em Israel. Actualmente, embora não haja confirmação, alguns estudiosos pressupõem que uma das razões para esse facto seria a popularidade da princesa Mariane, esposa de Herodes, o Grande, o rei dos hebreus que teria sido o responsável pelo assassinato das crianças na época em que Jesus nasceu. De acordo com Paulo, Maria trabalhou muito para a comunidade em Roma. Essa é a mesma expressão que Paulo usa frequentemente para definir o seu próprio trabalho missionário. Se uma das Marias do Novo Testamento parece, provavelmente, candidata ao trabalho missionário fora da Palestina, poderia ser Maria Madalena. Mais do que qualquer outra Maria, como ela passou a juventude na cidade de Magdala, estava familiarizada com a cultura helenística e com as diferentes nacionalidades do Império Romano. A questão que permanece é por que Paulo omite Madalena. Uma das respostas é que ele não dá nenhum epíteto aos nomes que menciona. Além do mais, ele não menciona nenhuma outra Maria. Não há, todavia, na literatura apócrifa, um maior acúmulo de dados históricos a respeito de Maria Madalena. Além disso, os eventuais elementos de autenticidade histórica que se poderiam averiguar não são controláveis.
O que se poderia buscar na literatura apócrifa é uma comparação de perspectivas e um aumento de conhecimentos em relação à interpretação. Alguns textos apócrifos, reservados e secretos, revelam uma Maria Madalena amada por Jesus de uma forma diferente, uma discípula que não apenas o servia, porém uma líder que fazia sombra a Pedro, causando ciúme na comunidade apostólica. Ela é também o espírito da sabedoria o que a torna um prato cheio para o gnosticismo que surgiria a partir do primeiro século da Era Cristã». In Wilma Steagall Tommaso, Maria Madalena nos Textos Apócrifos e nas seitas Gnósticas, Revista Último Andar nº 14, Junho, 2006.

Cortesia de Revista/JDACT