quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Londres. Cantos Indecisos. Cânticos. Teixeira de Pascoaes. «E via-me perdido e anónimo estrangeiro naquela multidão fantástica de gente, a que só me prendia acaso, vagamente, idêntica impressão de frio e nevoeiro...»

jdact

Londres
[…]
Pois entre a minha alma e a deles, que distância!
Nunca em vida senti mais trágico abandono!
A não ser nesse dia antigo (era no Outono)
em que me faleceu nos braços minha infância!

Anjinho que repousa em mim, porque eu não sou
mais que um túmulo exposto às grandes tempestades.
É feito o nosso ser de tudo o que passou;
somos sombras a errar de mortas Divindades.

Sei que sou neste mundo a lápide funérea,
com estranho epitáfio em letras misteriosas,
e a cinza que uma flama anímica e sidérea,
ao consumir-se, vai deixando sobre as cousas

tudo é saudade… E aqui, debaixo deste Azul
que a tristeza em feições quiméricas dilata,
evoco dolorido o meu país do sul,
lá onde é oiro o sol que, neste céu, é prata.

E olho em volta, abismado… Ó Londres da Grandeza!
E imagino abranger, num quadro nunca visto,
essa imensa expansão da potestade inglesa
por todo o vasto mundo e todo o mar de Cristo!

Ó Povo semideus! A Força e a Formosura!
Vultos de rosa e lírio, estátuas de elegância!
Não terá mais perfeita origem, porventura,
este povo a emanar uma perpétua infância?
[…]

Parte do poema Londres de Teixeira de Pascoaes, in ‘Londres’ 1915

In Teixeira de Pascoaes, Londres, Cantos Indecisos, Cânticos, introdução de António Telmo. Edição de António Cândido Franco, Assírio & Alvim, Lisboa, 2002, ISBN 972-37-0687-3.

Cortesia de Assírio & Alvim/JDACT