Prelúdio da conquista de Tânger
«(…) Discutia-se a
conquista de Tânger, dividindo-se os pareceres. Nem o infante Pedro nem o conde
de Barcelos desejavam a aventura, mas o infante Henrique, animador principal,
contava com a rainha para vencer as hesitações do rei Duarte. A bula de Eugénio
IV, Rex
regum, de 1436, mandara pregar
a favor da expedição e considerara sujeitas ao rei as terras conquistadas aos
infiéis. A Preclaris tua do ano seguinte, autorizara o rei e os seus
vassalos a comerciar com os mouros.
A regência de D. Leonor e a política luso-castelhana
Reinou pouco tempo
Duarte I. Em 1438, D. Leonor assumiu
a regência do reino, na menoridade do futuro Afonso V, por força do testamento
do infeliz rei. Em breve começou a luta entre os partidários de D. Leonor e os
do infante Pedro. A rainha viúva representava um grupo social e um partido
opostos ao infante Pedro, aliado de Álvaro de Luna, e àqueles que encaravam com
simpatia a centralização do poder real. Ao lado de D. Leonor alinhavam os
nobres de tendências feudalísticas. Esta penosa luta interna não afectaria a
expansão marítima porque ambos os grupos, embora com tendências dissemelhantes,
concordavam em prosseguir as navegações.
Acção diplomática de Afonso V
Com Afonso V, e ainda em
vida do infante Henrique, tomou novo aspecto a actuação diplomática em Roma e a
empresa das navegações oceânicas. Nicolau V, em 8 de Janeiro de 1454, expediu a bula Romanus
Pontifex, de apoio à política portuguesa de vedar o comércio e a pesca
em seus mares sem licença ou pagamento de tributos. Logo que foi eleito o Papa
Calisto III, sucessor de Nicolau V, pela bula de 13 de Março de 1455, Inter coetera quae nobis,
outorgou-se e concedeu-a à Ordem de Cristo o espiritual de todas as ilhas,
desde os Cabos do Bojador e Não por toda a Guiné até à Índia, tanto do adquirido
como do que viesse a adquirir; e determinou-se que o seu descobrimento só podia
ser feito pelos reis de Portugal. Confirmavam-se assim as bulas de Martinho V e
Nicolau V.
A queda de Constantinopla
e o rápido avanço turco na Europa inquietaram o papa Calisto III, que mandou
pregar a Cruzada. Afonso V preparou forças de auxílio. Como a Cruzada não
chegasse a realizar-se as forças portuguesas foram dirigidas para o norte de
África. Sucessivamente caíram em poder dos portugueses Alcácer-Ceguer, Tânger e
Arzila. Pela leitura dos cronistas, Zurara e João de Barros, depreende-se
que estes planos de conquista também tomavam em conta aspectos políticos e
económicos.
O reinado de Henrique IV de Castela
Com a morte de João II
de Castela subira ao trono o débil Henrique IV, que reinaria até 1474. O seu casamento, em 1455,
com D. Leonor, filha do rei Duarte, fora estéril durante sete anos.
Murmurava-se sobre a impotência do monarca castelhano e, assim, ao anúncio da
gravidez da rainha os inimigos dos soberanos falaram de adultério, com o
favorito real Beltran de la Cueva. D. Joana viria a nascer em 1462.
Era turbadíssima a vida castelhana. Henrique IV foi um monarca caluniado pelos
adversários que propagaram a notícia da sua incapacidade João de Navarra, que
pela morte de Afonso V de Aragão subiu ao trono, fomentou a liga de Tudela
contra Henrique IV. Dela faziam parte o arcebispo de Toledo, o marquês de
Santillana, os condes de Alba e de Parede e o mestre de Calatrava. De Henrique
IV era aliado o príncipe de Viana, a quem o rei prometera a mão da irmã D.
Isabel. Quando morreu o príncipe de Viana o próprio Henrique IV foi reconhecido
por herdeiro de Navarra, mas por sentença lavrada na entrevista de Bidassoa, de
Luís XI com Henrique IV, ao rei castelhano apenas foi reconhecida a posse do
território de Estela. Na mesma época, Pedro, neto do conde de Urgel, é
convidado a tomar os títulos de conde de Barcelona e de rei de Aragão e da
Sicília e a pôr-se à frente dos rebelados contra João II de Aragão. Mas morreu,
diz-se que envenenado, depois de ter reinado apenas três anos.
A bondade e volubilidade
de Henrique IV facilitaram a desobediência dos nobres castelhanos, que haviam conseguido
chamar a si o príncipe Afonso, herdeiro do trono. A sua morte arrastou para a
primeira linha das ambições políticas, como instrumento dos nobres, duas mulheres:
D.
Joana, a chamada Beltraneja, e D. Isabel, filha de João II e de Isabel de
Portugal. As princesas eram de sangue português e, em breve, ambas
seriam joguete, não somente da política castelhana, mas também da que se
desenhava na Europa. De facto, a França, pela voz de Luís XI, não obstante
tradicionalmente ligada a Castela, interessava-se pela Itália e pela Catalunha,
e a Aragão eram necessários aliados contra os Franceses. Naturalmente
pensava-se consegui-los na Inglaterra e na Borgonha. A Castela importava-lhe
sobremaneira, atendendo a que era a grande fornecedora de cereais e lã de que
os seus previstos aliados necessitavam para fazer face à sua vida económica. Ao
rei aragonês interessava o casamento do infante Fernando com Isabel, de
Castela.
Para tal, era
necessário, em primeiro lugar, contar com o apaziguamento das rivalidades
internas castelhanas, papel atribuído ao condestável de Navarra, com o apoio papal.
Em Guisando, o bispo de Leão, legado a latere de Pio XII, actuou
decisivamente. Henrique IV reconheceu Isabel como legítima sucessora, segundo
comunicou ao reino, em 24 de Setembro de 1468.
O soberano de Castela prometia o casamento da irmã segundo o conselho de João
Pacheco, Afonso Fonseca e Álvaro Stúñiga. A Henrique IV interessava também a
aliança dos portugueses para que o ajudassem a fazer face aos inimigos do
trono.
Na entrevista de
Gibraltar ofereceu-se ao soberano português a mão de D. Isabel. João Pacheco,
ligado por laços de sangue a Portugal, via com bons olhos este matrimónio, mas
desejava também que se executasse o pactuado em Villarejo sobre os casamentos
de D. Joana com o infante João. D. Isabel, porém, compreendeu que a política de
João Pacheco lhe era adversa. Restava-lhe o apoio aragonês». In
Manuel Fernandes Costa, As Navegações Atlânticas no Século XV, Biblioteca
Breve, volume 30, Instituto de Cultura Portuguesa, CCV Camões, Instituto
Camões, Oficinas Gráficas da Livraria Bertrand, 1979.
Cortesia de Instituto
Camões/JDACT