domingo, 20 de abril de 2014

Damião de Góis. The Life and Thought of a Portuguese Humanist. Elisabeth F Hirsch. «Desde o dia em que conhecera Mateus, a curiosidade de Góis pela ‘Igreja Etíope’ tinha sido despertada, e tinha-se vindo a criar nele lentamente um forte impulso para defender essa religião controversa»

jdact

Formação intelectual
«(…) À admiração de Góis pela Alemanha juntava-se um grande afecto pela Holanda e um caloroso apreço pela Flandres como local de residência. Embora se nos possa afigurar paradoxal que Góis tivesse tido sentimentos patrióticos ao mesmo tempo que nutria tamanha simpatia e consideração por outras nações, aparentemente esses sentimentos harmonizavam-se e, de certo modo, complementavam-se uns aos outros. Não tinha dificuldade em agir por vezes com um patriotismo fervoroso e em adoptar ao mesmo tempo uma visão global, ou em avaliar sem preconceitos os costumes das outras nações. Os pendores humanistas e históricos de Góis levantaram a questão de se dedicar ou não ao estudo por toda a vida. Enquanto estava ainda indeciso nesse ponto, Gois travou conhecimento em Danzig com Johann Magnus, arcebispo de Upsala no exílio, e conversou com ele por várias vezes. Esse foi um encontro importante para Góis, pois que o bispo exilado se veio a revelar como um amigo influente e com afinidades excepcionais; é possível que Gois ficasse a dever a Joannes Dantiscus, embaixador polaco na corte de Carlos V, o ter sido apresentado a Magnus, cujo espírito era tão receptivo à maneira de pensar do próprio Góis.
Johann Magnus tinha estado ao serviço diplomático do rei da Suécia até à altura da conversão de Gustavo Vasa ao protestantismo em 1527. Mesmo antes disso o rei tinha tratado Magnus com desdém e desconfiança, devido às diferenças religiosas entre eles. Quando Johann Magnus por fim fugiu da Suécia, não tinha ilusões quanto aos perigos duma intimidade demasiada com um governante. Agora que tinha conseguido uma educação humanística em muitos centros de estudo famosos e aprendido o valor da erudição, dedicava todas as energias a trabalhos históricos, sem guardar saudades da vida diplomática que tinha abandonado. A maneira culta de encarar o mundo e a concepção lata que Johann Magnus tinha do catolicismo, assim como o seu grande apreço por Erasmo, atraíam Góis, que passou a ter grande confiança nele e a respeitar os seus conselhos.
A modéstia que sentia quanto à sua própria capacidade como escolar levou Góis a adiar uma mudança drástica de ocupação. Um sentimento de inferioridade, talvez causado pela falta de escolaridade, fazia-lhe sentir a necessidade, não só como principiante, mas através dos primeiros anos de tentativas humanísticas, de ter a inteira sanção de um amigo autorizado antes de iniciar qualquer projecto de trabalho. Sentia uma necessidade igual de aprovação depois de completar um projecto, antes de consentir na sua publicação. Ao falar pela primeira vez com Johann Magnus em 1529 tinha em mente uma tarefa que não ousava ainda abordar. Desde o dia em que conhecera Mateus, o enviado do Négus, a curiosidade de Gois pela Igreja Etíope tinha sido despertada, e tinha-se vindo a criar nele lentamente um forte impulso para defender essa religião controversa. O relato pormenorizado que fez da questão da Etiópia foi bem recebido por Johann Magnus. Graças às numerosas viagens que tinha feito na juventude, Magnus estava mais habilitado do que qualquer dos amigos mais antigos de Gois a compreender a urgência do problema religioso dessa nação longínqua. O arcebispo exilado concordava com a opinião de Góis, de que a Igreja da Etiópia devia ser recebida como membro da comunidade ocidental cristã, e encorajou-o a chamar a atenção dum público mais vasto para o problema. Em vista disso, Gois ao regressar de Antuérpia, intensificou os seus estudos de latim até ser capaz, por fim, de traduzir do português para essa língua as cartas que Mateus tinha trazido para o rei português e para o Papa». In Elisabeth Feist Hirsch, The Life and Thought of a Portuguese Humanist, The Hague Netherlands, 1967, Damião de Góis, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002, ISBN 972-31-0677-9.

Cortesia de FCG/JDACT