A assembleia dos templários
«(…) Terminada aquela operação preliminar da chamada, Beaumanoir
levantou-se outra vez. Irmãos, disse ele, mais de duzentas vezes nos temos aqui
encontrado juntos, nesta reunião anual, desde que os dois malditos, o papa
Clemente Sexto e o rei Filipe o Belo,
dispersaram os nossos irmãos e tentaram destruir a nossa ordem. Eu, pela minha
parte, já umas quarenta vezes tomei lugar nestas reuniões, porque há quarenta
anos que pertenço a esta associação, para a qual entrei por morte de meu pai.
Todos os que tomavam parte no conselho, no dia em que recebi a medalha de
simples cavaleiro, já hoje são mortos; só eu ainda vivo, e sou o mais velho
desta assembleia, da qual então era o mais novo. Senhores, todos vós sois
valorosos e fortes; mas aqueles que ao meu lado se sentaram no banco dos
chefes, aqueles que partilharam comigo as esperanças e as agonias de quarenta ano:
de luta, eram igualmente valorosos e grandes, e o trabalho dele: não foi
infrutífero para a nossa ordem. Havia entre eles muito ilustres! E o ancião
deixou descair a cabeça para o peito, oprimido por uma recordação dolorosa. Bem
depressa, porém, a ergueu, percorrendo com um olhar cintilante de vigor e
energia toda a assembleia.
Irmãos!, disse Beaumanoir com uma voz potente que se repercutiu
por sob as abóbadas do antigo mosteiro, irmãos!... Se os prognósticos não
mentem, se as promessas dos antigos e os preceitos da experiência não são vãs,
está próximo o grande dia da vitória. Irmãos, a ordem do Templo vai ressurgir. Um
murmúrio de alegria percorreu toda a assembleia: só Inácio de Loiola é que
desfranziu os lábios num sorriso duma expressão indubitavelmente sarcástica;
mas aquela nota discordante passou despercebida em meio do entusiasmo geral. Sim,
irmãos, prosseguiu o ancião com irresistível autoridade, as duas potências, que
oprimiam a nossa ordem, o papado e a monarquia, estão em vésperas da sua
queda. Desta vez a luz veio do Norte: enquanto a Espanha indómita e a sapiente
Itália jaziam na opressão, um tedesco ergueu a voz, e a Igreja de Roma e
o trono dos reis estremeceram nos seus alicerces... Irmãos, posso assegurar-vos
que a queda dos ímpios está próxima; o reinado dos eleitos de Deus
aproxima-se!... E tens disso indícios
certos?..., perguntou altivamente um dos assistentes.
Indícios certíssimos, príncipe de Conde; e tu bem o sabes, tu, que no
íntimo da tua alma saúdas a nova religião, e que já te terias declarado
francamente luterano, se não te impedisse o receio que tens de perder a tua
posição de príncipe e os teus imensos bens. Conde corou, e o presidente
continuou assim: A Alemanha está em chamas; o corajoso Lutero ensinou aos povos
o desprezo por todas as autoridades injustas, quer elas tenham na cabeça uma
mitra, quer um elmo. O incêndio lavra por toda a parte. A Suíça, a Inglaterra,
a França, a Itália, escutam com avidez os apóstolos das novas ideias. O poder
pontifício está por toda a parte cercado de homens que, às ocultas o minam, o
atacam, e que hão de com certeza destruí-lo. Irmãos, nós, que somos os Senhores
do Templo; nós, que temos amigos e partidários por toda a parte; nós, que possuímos
os tesouros arrancados pelos nossos antepassados à cobiça de Filipe o Belo e multiplicados até o infinito no
decurso de séculos, unamo-nos todos, e, auxiliando a grande obra de Martim
Lutero, destruamos a Igreja e das suas ruínas façamos ressurgir a ordem
dos Templários!
Apoiado! Apoiado!..., gritaram de todos
os lados. Um dos irmãos levantou-se: Tens tu, disse ele, tens tu, venerável príncipe, um plano pronto para
a execução da empresa? Tenho um plano, não meu, mas estudado e pensado
conjuntamente com os meus colegas, respondeu o presidente. Não esqueçais,
irmãos, que depois da desgraça de Jacques de Molay, a nossa ordem não
admitiu mais nenhum mestre; delegou
todos os poderes no conselho dos
sete Senhores, o mais velho dos quais será o presidente, e, pelo
triste privilégio da idade, é a mim que presentemente cabe esse lugar. Mas eu e
os meus companheiros de grau, excepto o irmão Inácio de Loiola, que estava
ausente, tínhamos combinado alguns capítulos, que vos vão ser lidos. O ancião apresentou
algumas folhas de pergaminho: fez-se um profundo silêncio, pois que todos os
Templários tinham a mais profunda veneração pelo senhor de Beaumanoir, e
além disso tinham jurado a obediência mais absoluta ao conselho dos sete senhores.
Beaumanoir leu:
A assembleia constituída por cavaleiros,
padres, vassalos, plebeus e escravos, para libertar a humanidade das cadeias
dos padres e dos soberanos, compõe-se de três classes. A primeira classe
compreende os que se associam a esta obra com pureza de coração, e têm intenção
de se instruir nos mistérios da ordem. Estes deverão durante três anos estudar os
meios de se realizar o fim externo da associação, e dividir-se-á em dois ramos,
aprendizes e mestres. A segunda classe compreenderá os irmãos que do estado de
ensino tiverem chegado ao estado de operar. Estes terão a seu cargo executar no
mundo dos profanos o que tiver sido deliberado ou resolvido pelo supremo
conselho; terão sob as suas ordens os aprendizes e mestres, e serão iniciados
nos segundos mistérios da ordem, que dizem ao fim político e às reformas a
obter. A terceira classe, finalmente, compor-se-á de um número limitadíssimo de
pessoas, que serão iniciadas nos terceiros mistérios. Estes iniciados supremos
conhecerão as forças da ordem o seu fim principal, os tesouros de que pode
dispor; serão desligados de todos os laços, excepto dos que dizem respeito à
ordem e, conjuntamente com o Grão Mestre, governarão a terceira classe de
associados. Nenhum poderá ser promovido à classe superior sem ter completado
pelo menos três anos na classe inferior. O Grão Mestre será eleito entre os
dignitários da classe suprema. A ordem, aliada a todos os apóstolos da razão,
sustentar uma luta de morte contra a Igreja e os tiranos, e não considerar
cumprido o seu fim senão quando a liberdade do homem e de consciência forem
absolutamente reconhecidas.
O presidente terminara a leitura. Os
senhores que o rodeavam, e que, à excepção de Loiola, tinham tomado parte na
redacção daquele programa, conservavam-se impassíveis». In
Ernesto Mezzabota, O Papa Negro, História da Europa Medieval e seus costumes,
tempo da narrativa; entre 1500 -70 d. C, 1848, Rio de Janeiro, 1947, corrigido
por Milton Barros Carvalho, Brasil,
2009.
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