domingo, 6 de abril de 2014

História da Europa Medieval. Papa Negro. Ernesto Mezzabota. «Estes terão a seu cargo executar no mundo dos profanos o que tiver sido deliberado ou resolvido pelo supremo conselho; terão sob as suas ordens os aprendizes e mestres, e serão iniciados nos segundos mistérios da ordem, que dizem ao fim político e às reformas a obter»

Cortesia de wikipedia

A assembleia dos templários
«(…) Terminada aquela operação preliminar da chamada, Beaumanoir levantou-se outra vez. Irmãos, disse ele, mais de duzentas vezes nos temos aqui encontrado juntos, nesta reunião anual, desde que os dois malditos, o papa Clemente Sexto e o rei Filipe o Belo, dispersaram os nossos irmãos e tentaram destruir a nossa ordem. Eu, pela minha parte, já umas quarenta vezes tomei lugar nestas reuniões, porque há quarenta anos que pertenço a esta associação, para a qual entrei por morte de meu pai. Todos os que tomavam parte no conselho, no dia em que recebi a medalha de simples cavaleiro, já hoje são mortos; só eu ainda vivo, e sou o mais velho desta assembleia, da qual então era o mais novo. Senhores, todos vós sois valorosos e fortes; mas aqueles que ao meu lado se sentaram no banco dos chefes, aqueles que partilharam comigo as esperanças e as agonias de quarenta ano: de luta, eram igualmente valorosos e grandes, e o trabalho dele: não foi infrutífero para a nossa ordem. Havia entre eles muito ilustres! E o ancião deixou descair a cabeça para o peito, oprimido por uma recordação dolorosa. Bem depressa, porém, a ergueu, percorrendo com um olhar cintilante de vigor e energia toda a assembleia.
Irmãos!, disse Beaumanoir com uma voz potente que se repercutiu por sob as abóbadas do antigo mosteiro, irmãos!... Se os prognósticos não mentem, se as promessas dos antigos e os preceitos da experiência não são vãs, está próximo o grande dia da vitória. Irmãos, a ordem do Templo vai ressurgir. Um murmúrio de alegria percorreu toda a assembleia: só Inácio de Loiola é que desfranziu os lábios num sorriso duma expressão indubitavelmente sarcástica; mas aquela nota discordante passou despercebida em meio do entusiasmo geral. Sim, irmãos, prosseguiu o ancião com irresistível autoridade, as duas potências, que oprimiam a nossa ordem, o papado e a monarquia, estão em vésperas da sua queda. Desta vez a luz veio do Norte: enquanto a Espanha indómita e a sapiente Itália jaziam na opressão, um tedesco ergueu a voz, e a Igreja de Roma e o trono dos reis estremeceram nos seus alicerces... Irmãos, posso assegurar-vos que a queda dos ímpios está próxima; o reinado dos eleitos de Deus aproxima-se!... E tens disso indícios certos?..., perguntou altivamente um dos assistentes.
Indícios certíssimos, príncipe de Conde; e tu bem o sabes, tu, que no íntimo da tua alma saúdas a nova religião, e que já te terias declarado francamente luterano, se não te impedisse o receio que tens de perder a tua posição de príncipe e os teus imensos bens. Conde corou, e o presidente continuou assim: A Alemanha está em chamas; o corajoso Lutero ensinou aos povos o desprezo por todas as autoridades injustas, quer elas tenham na cabeça uma mitra, quer um elmo. O incêndio lavra por toda a parte. A Suíça, a Inglaterra, a França, a Itália, escutam com avidez os apóstolos das novas ideias. O poder pontifício está por toda a parte cercado de homens que, às ocultas o minam, o atacam, e que hão de com certeza destruí-lo. Irmãos, nós, que somos os Senhores do Templo; nós, que temos amigos e partidários por toda a parte; nós, que possuímos os tesouros arrancados pelos nossos antepassados à cobiça de Filipe o Belo e multiplicados até o infinito no decurso de séculos, unamo-nos todos, e, auxiliando a grande obra de Martim Lutero, destruamos a Igreja e das suas ruínas façamos ressurgir a ordem dos Templários!
Apoiado! Apoiado!..., gritaram de todos os lados. Um dos irmãos levantou-se: Tens tu, disse ele, tens tu, venerável príncipe, um plano pronto para a execução da empresa? Tenho um plano, não meu, mas estudado e pensado conjuntamente com os meus colegas, respondeu o presidente. Não esqueçais, irmãos, que depois da desgraça de Jacques de Molay, a nossa ordem não admitiu mais nenhum mestre; delegou todos os poderes no conselho dos sete Senhores, o mais velho dos quais será o presidente, e, pelo triste privilégio da idade, é a mim que presentemente cabe esse lugar. Mas eu e os meus companheiros de grau, excepto o irmão Inácio de Loiola, que estava ausente, tínhamos combinado alguns capítulos, que vos vão ser lidos. O ancião apresentou algumas folhas de pergaminho: fez-se um profundo silêncio, pois que todos os Templários tinham a mais profunda veneração pelo senhor de Beaumanoir, e além disso tinham jurado a obediência mais absoluta ao conselho dos sete senhores. Beaumanoir leu:
A assembleia constituída por cavaleiros, padres, vassalos, plebeus e escravos, para libertar a humanidade das cadeias dos padres e dos soberanos, compõe-se de três classes. A primeira classe compreende os que se associam a esta obra com pureza de coração, e têm intenção de se instruir nos mistérios da ordem. Estes deverão durante três anos estudar os meios de se realizar o fim externo da associação, e dividir-se-á em dois ramos, aprendizes e mestres. A segunda classe compreenderá os irmãos que do estado de ensino tiverem chegado ao estado de operar. Estes terão a seu cargo executar no mundo dos profanos o que tiver sido deliberado ou resolvido pelo supremo conselho; terão sob as suas ordens os aprendizes e mestres, e serão iniciados nos segundos mistérios da ordem, que dizem ao fim político e às reformas a obter. A terceira classe, finalmente, compor-se-á de um número limitadíssimo de pessoas, que serão iniciadas nos terceiros mistérios. Estes iniciados supremos conhecerão as forças da ordem o seu fim principal, os tesouros de que pode dispor; serão desligados de todos os laços, excepto dos que dizem respeito à ordem e, conjuntamente com o Grão Mestre, governarão a terceira classe de associados. Nenhum poderá ser promovido à classe superior sem ter completado pelo menos três anos na classe inferior. O Grão Mestre será eleito entre os dignitários da classe suprema. A ordem, aliada a todos os apóstolos da razão, sustentar uma luta de morte contra a Igreja e os tiranos, e não considerar cumprido o seu fim senão quando a liberdade do homem e de consciência forem absolutamente reconhecidas.
O presidente terminara a leitura. Os senhores que o rodeavam, e que, à excepção de Loiola, tinham tomado parte na redacção daquele programa, conservavam-se impassíveis». In Ernesto Mezzabota, O Papa Negro, História da Europa Medieval e seus costumes, tempo da narrativa; entre 1500 -70 d. C, 1848, Rio de Janeiro, 1947, corrigido por Milton Barros Carvalho, Brasil, 2009.

Cortesia de wikipedia/JDACT