A Longa Espera pelo Trono
Infância
«(…) O costume de incluir na documentação régia os nomes dos filhos dos
reis a partir do momento do seu nascimento, enunciando-os consoante a ordem do
seu nascimento, primeiro os filhos e depois as filhas, costume tão útil para os
historiadores poderem saber em que altura nasceram os filhos dos reis nestas épocas,
ainda não era prática generalizada na diplomática de meados do século XII.
Sê-lo-ia dentro em breve, quando se tornaria regra quase absoluta em todas as
chancelarias régias, mas, para o ano em que Sancho nasceu, 1154, ainda não o podemos atestar, nem, a bem da verdade, durante
os vinte anos que se lhe seguiram. Se analisarmos as subscrições dos documentos
de Afonso Henriques, desde o momento em que nasceu o seu primeiro filho
legítimo, presumivelmente em 1148,
verificaremos que, quer a presença desse primogénito, quer dos filhos que se
lhe seguiram, é tudo menos regular. Face a um panorama muito pouco normalizado,
torna-se assim muito difícil tentar tirar conclusões sobre o papel que Sancho
poderia ter sido chamado a desempenhar durante a sua primeira infância, ou
sobre a hipótese de se ter previsto, na própria forma como a documentação era
redigida, algo que, nesses formulários, nos pudesse dar a entender que o infante
varão mais velho de Afonso Henriques recebia um tratamento preferencial na
chancelaria, em relação ao resto de seus irmãos.
Só num conjunto documental composto por cinco forais do modelo de
Salamanca, concedidos em data definida criticamente como de entre Dezembro de 1157 e 1169, mas, quanto a mim, certamente posterior a 1163, após a morte do infante João (1158-1163),
se pode identificar uma renovação desses formulários que parece começar a
reflectir uma certa adaptação aos novos tempos e às novas normativas. De agora
em diante a formula Eu, Afonso, em
parceria [pariter] com o meu filho Sancho e as minhas filhas, nomeando
de forma bem destacada o nome do seu filho mais velho e agrupando num designativo
conjunto todas as suas filhas, começará a aparecer quase como uma regra. Apesar
de ser tentador, não é possível defender sem sombra de dúvida que este núcleo
de cinco forais date mesmo do último ano da data crítica, isto é, 1169, o que permitiria, com uma pequena
margem de erro, revelar um papel proeminente para o filho mais velho de Afonso
Henriques desde essa altura. Tal como está a situação, pode apenas constatar-se
que nada obsta a que esse tivesse sido o caso. Assim sendo, e pesados todos
estes factores, a documentação não nos parece falar de qualquer papel destacado
do infante na corte antes de 1169.
Até essa data, as menções que a documentação dele faz, isoladamente e como
filho varão, parecem estar muito mais dependentes do facto de não haver outro
filho legítimo na corre de Afonso Henriques, do que de quaisquer outros
factores.
Mas a partir de 1169 tudo
muda, e agora, o facto de ser o único filho varão e legítimo de Afonso
Henriques à data do desastre de Badajoz, aliado à coincidência de ter atingido
a maioridade no próprio ano de 1169,
parecem ter desempenhado um papel determinante nas alterações na vida do
infante, alterações que, afinal, parece deverem situar-se muito mais nesta
entrada no mundo adulto prematura que nesse famoso assalto a Triana de 1178. O rei Afonso Henriques, que logo
em Setembro de 1169 e em 1170 parecia querer promover o seu
filho à co-regência no seguimento imediato do desastre de Badajoz, assinalando essas
intenções na própria documentação régia, ao mudar a forma como o único filho
legítimo vivo era mencionado e também ao armá-lo cavaleiro pelas suas próprias mãos
em Coimbra, iria mantê-lo, contra as prováveis expectativas de todos, em lugar
subalterno na hierarquia da governação, até à sua morte. Como Sancho reagiu a
essa exasperante espera e humilhação é algo que apenas podemos pressentir pelas
marcas indirectas que nos deixou alguma documentação. Mas antes de regressarmos
ao infante que agora começava e tomar posse de um reino que demoraria quase
duas décadas a assumir plenamente, vejamos brevemente qual o ambiente político
que o viu nascer e que acompanhou os primeiros catorze anos da sua existência e
como decorreram esses mesmos anos da sua vida, na primeira infância e adolescência».
In
Maria João Violante Branco, Sancho I, O Filho do Fundador, Temas e Debates,
Livraria Bertrand, 2009, ISBN 978-972-759-978-3.
Cortesia de Bertrand/JDACT