O Príncipe (1798-1822)
«Em 1801, o infante Pedro de
Alcântara (1798-1834), filho do príncipe regente João (João VI) e de D.
Carlota Joaquina Bourbon, torna-se, aos 3 anos, príncipe herdeiro do futuro rei
de Portugal João VI, por morte de seu irmão mais velho António (1795-1798).
Pedro vem ao mundo, no Palácio de
Queluz, a 12 de Outubro de 1798, num
período conturbado da história portuguesa, cunhado pela influência inglesa e
pela iminência da guerra, quando a Revolução Francesa e o génio de Napoleão
Bonaparte assombram o mundo. Depois de se evidenciar na Campanha de Itália (1796-97),
aquele general toma o poder em Paris (1797), ascende a primeiro cônsul da
República (1802) e a imperador (1804). O antagonismo entre a França
e Portugal gera o medo, matizado por negociações diplomáticas sempre negativas
e pela ambição francesa de desligar os Portugueses dos Britânicos para
beneficiar dos nossos portos e do nosso comércio.
Como não vinga, diz um manuscrito de fr. Francisco de São Luís,
a teoria de uma neutralidade portuguesa, aceite pelos ingleses, beneficiários
de uma posição única, antes estabelecida e favorável aos franceses, visto que
tal neutralidade pretendia disfarçar, com proveito mútuo, os laços mercantis
luso-franceses, ignorando os apetites territoriais da Espanha de Godoy,
em 1801, deflagra a Guerra das Laranjas, instigada
pela França e bem-vinda por parte dos espanhóis no que a Portugal dizia
respeito. O reino é invadido pelos exércitos do país vizinho, fautores de sucessivos
reveses militares. Semanas depois celebra-se a paz com a Espanha e a França sua
aliada, em termos que cerceiam a dimensão geográfica do reino e
consequentemente o traçado de uma fronteira que de longe vinha. Olivença e o território adjacente deixam de pertencer a Portugal.
Napoleão torna-se, de então aos nossos dias, funesto para a velha nação, tanto
mais que, entre 1807 e 1811, promove a tripla invasão de
Portugal pelas suas hordas guerreiras.
Do mesmo passo, reatam-se as ligações económicas com a França, cujos
efeitos positivos duram meia dúzia de anos. Entretanto, nos anos iniciais do
século XIX, o jovem Pedro inicia o
processo educativo reservado a um futuro monarca. Para seu preceptor, antes dos
5 anos, foi recomendado e logo escolhido Monteiro Rocha, um jesuíta
convertido ao pombalismo, lente de Matemática e vice-reitor da Universidade de
Coimbra. Fora de dúvida, este mestre, quase septuagenário, possuía experiência,
saber e dedicação. Os respeitosos desvelos do velho lente, nos quatro anos
seguintes, acabaram por esbarrar quase completamente nos descuidos do pequeno
príncipe, mais interessado nos jogos aristocráticos próprios da sua idade, em
que avultava a equitação. De qualquer modo, mestre e discípulo ficaram amigos
para sempre. A ele e ao franciscano fr. António de Nossa Senhora de La Salette,
seu professor de Latim, ficou a dever não apenas o conhecimento de autores
clássicos. Anos depois, ao morrer o ex-jesuíta, que pedira dispensa para não
seguir a corte até ao Brasil, legou ao príncipe a sua biblioteca, prova, em
homem de tal sagacidade, da sua aposta nas qualidades de Pedro.
O futuro imperador sabia-se herdeiro do trono e sofria o desencontro
entre sua mãe, D. Carlota Joaquina, e o regente João, príncipe bondoso,
hesitante, angustiado pelos assuntos do Estado, esquivo por temperamento, a que
não faltavam manha e uma persistência feita de adiamentos. A futura rainha
distinguia-se pelos seus desvarios. Era matrona decidida, ambiciosa, dada à
intriga e nem sempre reflectida quanto à intervenção nos negócios do Estado, com
estouvada conduta. Para mais, o pequeno Pedro
vivia no palácio em que também morava, louca, D. Maria I, o que mais o fazia sofrer,
pois todos os dias a devia cumprimentar. Nem D. Carlota nem o regente se
preocuparam deveras com a sua instrução. O futuro João VI temia os excessos de
cultura e o gosto pelas reformas daí resultante, que, a seu ver fora pecha de José
I, o seu falecido irmão primogénito. Mas Pedro
era afeiçoado ao pai e cumpria os seus deveres com a princesa espanhola sua
mãe, a partir de certa altura quase sempre assistente em palácio próprio, com a
qual tinha afinidades quanto ao dinamismo e coragem. Recordação perdurável
deixou-lhe a apresentação de credenciais do embaixador francês, general Junot,
pela riqueza e aparato militar do seu trajo, a ponto de o regente o pedir de
empréstimo para que o alfaiate real fizesse um uniforme semelhante para si e
outro para o pequeno Pedro. E Pedro por todo o lado ouvia falar com
terror e ódio do chefe de Junot, Napoleão, estadista e guerreiro sem par empenhado
em colocar Portugal na órbita da França. Aliás, pró-francês era Monteiro
Rocha e não se sabe se alguma vez o deixou pressentir ao discípulo real.
Por outro lado, a embaixatriz Laura Junot,
escritora maledicente dos Braganças, poupa e valoriza o perfil do
príncipe Pedro, un joli et gracieux enfant». In Luís Oliveira Ramos, D. Pedro,
Imperador e Rei, Experiências de um Príncipe (1798-1834), Imprensa
Nacional-Casa da Moeda, Temas Portugueses, Lisboa, 2007, ISBN
978-972-27-1428-0.
Cortesia de INCM/JDACT