segunda-feira, 7 de abril de 2014

Pedro IV. Imperador e Rei. Experiências de um Príncipe. Luís Oliveira Ramos. «Anos depois, ao morrer o ex-jesuíta, que pedira dispensa para não seguir a corte até ao Brasil, legou ao príncipe a sua biblioteca, prova, em homem de tal sagacidade, da sua aposta nas qualidades de Pedro»

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O Príncipe (1798-1822)
«Em 1801, o infante Pedro de Alcântara (1798-1834), filho do príncipe regente João (João VI) e de D. Carlota Joaquina Bourbon, torna-se, aos 3 anos, príncipe herdeiro do futuro rei de Portugal João VI, por morte de seu irmão mais velho António (1795-1798). Pedro vem ao mundo, no Palácio de Queluz, a 12 de Outubro de 1798, num período conturbado da história portuguesa, cunhado pela influência inglesa e pela iminência da guerra, quando a Revolução Francesa e o génio de Napoleão Bonaparte assombram o mundo. Depois de se evidenciar na Campanha de Itália (1796-97), aquele general toma o poder em Paris (1797), ascende a primeiro cônsul da República (1802) e a imperador (1804). O antagonismo entre a França e Portugal gera o medo, matizado por negociações diplomáticas sempre negativas e pela ambição francesa de desligar os Portugueses dos Britânicos para beneficiar dos nossos portos e do nosso comércio.
Como não vinga, diz um manuscrito de fr. Francisco de São Luís, a teoria de uma neutralidade portuguesa, aceite pelos ingleses, beneficiários de uma posição única, antes estabelecida e favorável aos franceses, visto que tal neutralidade pretendia disfarçar, com proveito mútuo, os laços mercantis luso-franceses, ignorando os apetites territoriais da Espanha de Godoy, em 1801, deflagra a Guerra das Laranjas, instigada pela França e bem-vinda por parte dos espanhóis no que a Portugal dizia respeito. O reino é invadido pelos exércitos do país vizinho, fautores de sucessivos reveses militares. Semanas depois celebra-se a paz com a Espanha e a França sua aliada, em termos que cerceiam a dimensão geográfica do reino e consequentemente o traçado de uma fronteira que de longe vinha. Olivença e o território adjacente deixam de pertencer a Portugal. Napoleão torna-se, de então aos nossos dias, funesto para a velha nação, tanto mais que, entre 1807 e 1811, promove a tripla invasão de Portugal pelas suas hordas guerreiras.
Do mesmo passo, reatam-se as ligações económicas com a França, cujos efeitos positivos duram meia dúzia de anos. Entretanto, nos anos iniciais do século XIX, o jovem Pedro inicia o processo educativo reservado a um futuro monarca. Para seu preceptor, antes dos 5 anos, foi recomendado e logo escolhido Monteiro Rocha, um jesuíta convertido ao pombalismo, lente de Matemática e vice-reitor da Universidade de Coimbra. Fora de dúvida, este mestre, quase septuagenário, possuía experiência, saber e dedicação. Os respeitosos desvelos do velho lente, nos quatro anos seguintes, acabaram por esbarrar quase completamente nos descuidos do pequeno príncipe, mais interessado nos jogos aristocráticos próprios da sua idade, em que avultava a equitação. De qualquer modo, mestre e discípulo ficaram amigos para sempre. A ele e ao franciscano fr. António de Nossa Senhora de La Salette, seu professor de Latim, ficou a dever não apenas o conhecimento de autores clássicos. Anos depois, ao morrer o ex-jesuíta, que pedira dispensa para não seguir a corte até ao Brasil, legou ao príncipe a sua biblioteca, prova, em homem de tal sagacidade, da sua aposta nas qualidades de Pedro.
O futuro imperador sabia-se herdeiro do trono e sofria o desencontro entre sua mãe, D. Carlota Joaquina, e o regente João, príncipe bondoso, hesitante, angustiado pelos assuntos do Estado, esquivo por temperamento, a que não faltavam manha e uma persistência feita de adiamentos. A futura rainha distinguia-se pelos seus desvarios. Era matrona decidida, ambiciosa, dada à intriga e nem sempre reflectida quanto à intervenção nos negócios do Estado, com estouvada conduta. Para mais, o pequeno Pedro vivia no palácio em que também morava, louca, D. Maria I, o que mais o fazia sofrer, pois todos os dias a devia cumprimentar. Nem D. Carlota nem o regente se preocuparam deveras com a sua instrução. O futuro João VI temia os excessos de cultura e o gosto pelas reformas daí resultante, que, a seu ver fora pecha de José I, o seu falecido irmão primogénito. Mas Pedro era afeiçoado ao pai e cumpria os seus deveres com a princesa espanhola sua mãe, a partir de certa altura quase sempre assistente em palácio próprio, com a qual tinha afinidades quanto ao dinamismo e coragem. Recordação perdurável deixou-lhe a apresentação de credenciais do embaixador francês, general Junot, pela riqueza e aparato militar do seu trajo, a ponto de o regente o pedir de empréstimo para que o alfaiate real fizesse um uniforme semelhante para si e outro para o pequeno Pedro. E Pedro por todo o lado ouvia falar com terror e ódio do chefe de Junot, Napoleão, estadista e guerreiro sem par empenhado em colocar Portugal na órbita da França. Aliás, pró-francês era Monteiro Rocha e não se sabe se alguma vez o deixou pressentir ao discípulo real. Por outro lado, a embaixatriz Laura Junot, escritora maledicente dos Braganças, poupa e valoriza o perfil do príncipe Pedro, un joli et gracieux enfant». In Luís Oliveira Ramos, D. Pedro, Imperador e Rei, Experiências de um Príncipe (1798-1834), Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Temas Portugueses, Lisboa, 2007, ISBN 978-972-27-1428-0.

Cortesia de INCM/JDACT