segunda-feira, 14 de abril de 2014

Diogo Gomes. Navegadores. Viajantes. Aventureiros. Luís Albuquerque. «Depois disto, diz ele, no seu Conselho, o Senhor Infante dizia que para o futuro não brigassem com aquela gente naquelas regiões, mas que travassem alianças, e tratassem de comércio…»

Lisboa depressa conheceu grande crescimento
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Aprofunda-se o conhecimento Atlântico
«(…) Para traçar a história das actividades de Diogo Gomes, enquanto andou no mar, dispomos apenas de dois documentos avulsos. Um deles, que foi publicado por Silva Marques, é uma carta de quitação passada a Gonçalo Pacheco (pai de Duarte Pacheco Pereira) e a todos os seus herdeiros e sucessores; tem a data de 1 de Maio de 1546 e considera saldadas as contas que Pacheco apresentara, na sua qualidade de tesoureiro-mor cessante das coisas da cidade de Ceuta. O texto inclui uma alusão a um Diogo Gomes, na qualidade de escudeiro do rei, que pode muito bem ser o caravelista que andou pelas costas africanas, em missões de reconhecimento. O outro texto oficial é igualmente uma carta de quitação, datada de 5 de Julho de 1464; o documento está passado a favor de um Fernando Afonso, designado no texto por escudeiro da casa real e criado do infante Henrique; o diploma dá-o como desquitado de tudo o que despendera e de tudo o que recebera da herança do infante Henrique por mandado directo do rei ou por mandado do vedor da Fazenda, Fernando Castro, ou do conselheiro real, João Fernandes; o nome de Gomes ocorre isoladamente neste escrito, sendo muito provável que se trate do navegador. Todavia, a mais importante fonte de que dispomos para fazer hoje uma ideia da sua actividade é a Relação. Ele diz aí ter participado na armada de quatro caravelas em que iam por capitães Gil Eanes de Vilalobos (este último apelido aparece aqui, até onde sabemos, pela única vez), Lançarote, almoxarife de Lagos, Nuno Tristão e Gonçalo Afonso de Sintra (habitualmente tratado, nos textos históricos portugueses, por Gonçalo de Sintra). Gomes, ou Martinho da Boémia, como oportunamente foi anotado por Vitorino de Magalhães Godinho, por lapso de memória, ou, no segundo caso, por mau entendimento do que ouviu ao navegador, confunde aqui numa só viagem que Zurara descreve separadamente, e pela ordem seguinte; a primeira, em que Nuno Tristão foi o único a participar; e uma segunda, em que entraram como capitães Lançarote [de Freitas], Gil Eanes, Estêvão Afonso, Rodrigo Álvares, João Dias e João Bernardes.
Fala-se delas a partir do capítulo XXI da Crónica de Azurara; a primeira foi certamente iniciada em 1443, e a segunda, ao que parece, teve por objectivo principal a ilha de Tider, em que foram cativados cerca de meia centena de homens. Gomes alude a uma só viagem, em que ele mesmo terá participado, mas ainda como figura marítima secundária, visto que Azurara o não nomeia; em todo o caso, é nesse passo que o narrador se afirma como almoxarife de Sintra, quando alude com brevidade às peripécias que tiveram lugar no ataque a Tider: E eu, Diogo Gomes, almoxarife de Sintra, sozinho apoderei-me de vinte e duas pessoas, que estavam escondidas, e as trouxe ante mim, como se fossem reses, por meia légua até os navios. Trecho que bem merece o seguinte comentário de Magalhães Godinho: Diogo Gomes parece ter o defeito de se gabar! Na continuação, o testemunho do navegador mostra que a prática da caça ao homem, seguida no início das explorações ao longo da costa africana, era considerada claramente prejudicial ao comércio que se desejava implantar: Depois disto, diz ele, no seu Conselho, o Senhor Infante dizia que para o futuro não brigassem com aquela gente naquelas regiões, mas que travassem alianças, e tratassem de comércio, e com eles assentassem pazes, porque a sua intenção era fazê-los cristãos. E logo de imediato corrobora esta linha política; quando fala do contacto com os negros que habitavam a orla do mar para além da Terra de Tofia , diz assim: Os cristãos bem poderiam tomar alguns, e não ousavam, porque o Senhor Infante assim lhes ordenara, nem que lhes fizessem qualquer coisa nociva, e assim nada lhes fizeram. Como se verifica, o objectivo comercial, no sentido mais lato, sobrepunha-se ao desejo de capturar escravos; o que não invalidava a aquisição destes, que podiam ser obtidos por compra, como qualquer mercadoria. Vitorino de Magalhães Godinho observou que Azurara também alude a esta alteração de táctica em relação aos contactos com as populações negras, datando-a, porém, de 1448, ao passo que nesta relação é anterior ao descobrimento do Senegal, que teve lugar em 1445». In Luís de Albuquerque, Diogo Gomes, Navegadores, Viajantes, Aventureiros Portugueses, Séculos XV e XVI, António Fernandes, Editorial Caminho, Lisboa, 1987.

Cortesia de Caminho/JDACT