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Aprofunda-se o conhecimento Atlântico
«(…) Para traçar a história das actividades de Diogo Gomes, enquanto andou no mar, dispomos apenas de dois documentos
avulsos. Um deles, que foi publicado por Silva Marques, é uma carta de
quitação passada a Gonçalo Pacheco (pai de Duarte Pacheco Pereira)
e a todos os seus herdeiros e sucessores; tem a data de 1 de Maio de 1546 e considera saldadas as contas que
Pacheco apresentara, na sua qualidade de tesoureiro-mor cessante das coisas da cidade de Ceuta. O
texto inclui uma alusão a um Diogo Gomes, na qualidade de
escudeiro do rei, que pode muito bem ser o caravelista que andou pelas
costas africanas, em missões de reconhecimento. O outro texto oficial é
igualmente uma carta de quitação, datada de 5 de Julho de 1464; o documento está passado a favor de um Fernando Afonso,
designado no texto por escudeiro da casa real e criado do infante Henrique; o
diploma dá-o como desquitado de tudo o que despendera e de tudo o que recebera
da herança do infante Henrique por mandado directo do rei ou por mandado do
vedor da Fazenda, Fernando Castro, ou do conselheiro real, João
Fernandes; o nome de Gomes
ocorre isoladamente neste escrito, sendo muito provável que se trate do
navegador. Todavia, a mais importante fonte de que dispomos para fazer hoje uma
ideia da sua actividade é a Relação. Ele diz aí ter participado
na armada de quatro caravelas em que iam por capitães Gil Eanes de Vilalobos
(este último apelido aparece aqui, até onde sabemos, pela única vez), Lançarote,
almoxarife de Lagos, Nuno Tristão e Gonçalo Afonso de Sintra
(habitualmente tratado, nos textos históricos portugueses, por Gonçalo de
Sintra). Gomes, ou Martinho
da Boémia, como oportunamente foi anotado por Vitorino de Magalhães
Godinho, por lapso de memória, ou, no segundo caso, por mau entendimento do
que ouviu ao navegador, confunde aqui numa
só viagem que Zurara descreve separadamente, e pela ordem seguinte; a
primeira, em que Nuno Tristão foi o único a participar; e uma segunda,
em que entraram como capitães Lançarote [de Freitas], Gil Eanes, Estêvão
Afonso, Rodrigo Álvares, João Dias e João Bernardes.
Fala-se delas a partir do capítulo XXI da Crónica de Azurara; a
primeira foi certamente iniciada em 1443,
e a segunda, ao que parece, teve por objectivo principal a ilha de Tider,
em que foram cativados cerca de meia centena de homens. Gomes alude a uma só viagem, em que ele mesmo terá participado, mas
ainda como figura marítima secundária, visto que Azurara o não nomeia; em todo
o caso, é nesse passo que o narrador se afirma como almoxarife de Sintra, quando alude com brevidade às peripécias
que tiveram lugar no ataque a Tider: E
eu, Diogo Gomes, almoxarife de Sintra, sozinho apoderei-me de vinte e duas
pessoas, que estavam escondidas, e as trouxe ante mim, como se fossem reses,
por meia légua até os navios. Trecho que bem merece o seguinte
comentário de Magalhães Godinho: Diogo
Gomes parece ter o defeito de se gabar! Na continuação, o testemunho do
navegador mostra que a prática da caça ao homem, seguida no início das explorações
ao longo da costa africana, era considerada claramente prejudicial ao comércio
que se desejava implantar: Depois disto,
diz ele, no seu Conselho, o Senhor
Infante dizia que para o futuro não brigassem com aquela gente naquelas regiões,
mas que travassem alianças, e tratassem de comércio, e com eles assentassem pazes,
porque a sua intenção era fazê-los cristãos. E logo de imediato
corrobora esta linha política; quando fala do contacto com os negros que
habitavam a orla do mar para além da Terra de Tofia , diz assim: Os cristãos bem poderiam tomar alguns, e
não ousavam, porque o Senhor Infante assim lhes ordenara, nem que lhes fizessem
qualquer coisa nociva, e assim nada lhes fizeram. Como se verifica, o
objectivo comercial, no sentido mais lato, sobrepunha-se ao desejo de capturar
escravos; o que não invalidava a aquisição destes, que podiam ser obtidos por
compra, como qualquer mercadoria. Vitorino de Magalhães Godinho observou
que Azurara também alude a esta alteração de táctica em relação aos contactos
com as populações negras, datando-a, porém, de 1448, ao passo que nesta
relação é anterior ao descobrimento do Senegal, que teve lugar em 1445». In Luís de Albuquerque, Diogo
Gomes, Navegadores, Viajantes, Aventureiros Portugueses, Séculos XV e XVI, António
Fernandes, Editorial Caminho, Lisboa, 1987.
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