«(…) Foi necessário
também buscar textos que auxiliassem na compreensão das relações entre senhor e
vassalo, bastante presente na Crónica
albigense. Para tanto, Sociedade
Feudal de Marc Bloch e Senhorio
e Feudalidade na Idade Média foram as obras escolhidas para suprir este
vácuo. Por fim, a fonte utilizada na nossa pesquisa é a Historia Albigeoise, de Pierre desvaux-de-Cernay. Foi
traduzida para o francês por Pascal Guébin e Henri Maisonneuve em 1951 do original contido na Patrologia
Latina: História Albigensium et
Sacribelli in eos anno 1209 suspect Duce et Príncipe Simone de Monforti, crónica
de Petri monachi coenobii Valium Cernaii. Utilizamos esta tradução por
ser a mais conhecida pela historiografia relacionada ao tema. O título original
nos fornece uma pista da nossa proposta de trabalho, ao incluir o nome de Simon
de Monfort, suprimida pela versão francesa. A fonte possui 621 capítulos
divididos em três partes principais que possuem subdivisões internas. A
primeira parte intitulada Os hereges,
está contida entre os capítulos 5 e 19, trata das práticas consideradas
heréticas e suas doutrinas, com ênfase na protecção dos senhores do sul francês
aos hereges. A segunda parte, Os
pregadores, contempla os capítulos 20 até 54. Mostra o envio de
missionários até à região em conflito por parte do papa Inocêncio III e a
ineficácia na conversão dos hereges. A terceira e última parte do documento, As Cruzadas é também a
mais extensa: 557 capítulos subdivididos em 12 partes. Tem como objectivo
descrever a Cruzada albigense
em todos os seus pormenores, além de exaltar a figura do cavaleiro Simon de
Monfort ao mesmo tempo em que deprecia o conde de Toulouse, personificação do
verdadeiro perigo da heresia para a Igreja: uma nobreza que apoiasse os hereges
e desse suporte a ela, diminuindo o poder eclesiástico nas áreas de sua
influência, neste caso, o Midi Francês.
O argumento legitimador
O primeiro objecto
norteador de nossa pesquisa foi o elemento desencadeado para a Cruzada albigense, qual seja, o
catarismo. Em nosso entender, esta heresia representa o argumento
legitimador de um projecto que suplanta o fenómeno ocorrido no Midi francês
no início do século XIII. Apresentaremos argumentos que apontem para a génese
do processo de unificação do território francês, na figura do rei Filipe
Augusto, contando com o apoio do papado, através de Inocêncio III. Uma
discussão acerca dos cátaros, porém, parece incompleta,
caso não esteja relacionada ao contexto mais amplo do período juntamente com as
demais heresias medievais.
As primeiras
heresias
As heresias acompanham a
história da Igreja Cristã desde sua génese. Segundo Monique Zerner, o problema da heresia nasce com o
cristianismo. O período para a construção do corpo canónico do
Novo Testamento foi de mais de um século. Este corpo foi constituído de maneira
complexa, através de polémica e discussões entre os líderes da chamada igreja
primitiva. O resultado deste projecto foi a exclusão daqueles que discordaram
da ortodoxia recém-formada, a quem foi atribuído o título de herege. O próprio apóstolo
Paulo, durante a primeira metade da década de 60 da Era Cristã, cita em duas
ocasiões o termo em suas epístolas. Os primeiros estudos ou descrições
acerca das heresias dos primeiros séculos da cristandade encontram-se nos
escritos de Santo Agostinho e de Isidoro de Sevilha. O carácter destas heresias era
filosófico, doutrinário, ou seja, as discussões envolviam as doutrinas da
ortodoxia, como por exemplo, a natureza divina e humana de Cristo,
sendo esta uma especulação racional em torno dos princípios ou dogmas cristãos.
As Heresias
Medievais
O período compreendido
entre os séculos XII e XIII recebe a nomenclatura de séculos heréticos por Nachman Falbel. A
intensificação dos movimentos heréticos neste período leva-nos a buscar no
contexto europeu, argumentos que justifiquem tal fenómeno. Segundo Falbel:
Na verdade, podemos
ver na crítica herética, ou melhor dito, em parte desta crítica, uma tentativa
de apontar os erros e os desvios da instituição eclesiástica, da sua
intervenção no poder secular à custa da sua missão espiritual; enfim, uma
tentativa de alertar a sociedade cristã de que os seus representantes
desvirtuaram a verdadeira imagem da religião fundada por Cristo.
Este desvio moral,
segundo Henri Daniel Rops, do corpo eclesiástico justifica-se quando
verificamos as profundas transformações ocorridas no interior da sociedade
medieval, no período imediatamente anterior ao abordado, que merece uma breve
menção». In Eduardo Luís Medeiros, Simon de Montfort, A figura do Vassalo Perfeito, História Albigeoise, Pierre des Vaux
de Cernay, Ciências Humanas, Letras e Artes, UF do Paraná, Curitiba, 2006.
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