domingo, 27 de abril de 2014

Nuno Tristão. O Escudeiro mareante como protótipo dos primeiros tempos da Expansão portuguesa. Luís Albuquerque. «… num discurso que a Crónica reproduz (ou, mais provavelmente, Azurara reinventou), propôs aos seus companheiros que saltassem em terra e fizessem por obter os primeiros cativos; com essa acção alcançavam-se dois fins»

Nuno Tristão foi um dos mais próximos colaboradores do Infante, ultrapassando o cabo Branco e atingindo a ilha de Arguim
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O Escudeiro mareante
«O que se sabe acerca da vida de Nuno Tristão, e em especial a respeito das suas viagens à costa ocidental africana, onde veio a ser morto, é-nos transmitido, com alguns pormenores de interesse, pela Crónica da Guiné de Gomes Eanes de Azurara. Foi reunindo as informações dispersas do cronista que urdimos o presente relato. Quando se iniciou nas navegações, em 1441 ou 1442, provavelmente ainda bastante jovem (mas desconhece-se o ano do seu nascimento), Nuno Tristão tinha já recebido a honra de cavaleiro; a Crónica diz dele, e não custa acreditá-la, que se tratava de um homem destemido e de boa decisão; e sem dúvida era também da inteira confiança do infante Henrique, pois fora criado desde baixa idade na câmara deste príncipe.
Sobre os motivos determinantes da sua primeira viagem, se a Crónica os não declarasse de modo expresso, era possível tecer algumas conjecturas. Podia admitir-se, por exemplo, que Nuno Tristão fosse atraído para uma possível aquisição de escravos, por compra ou por assaltos a pequenos povoados ribeirinhos. Foi através deste último procedimento que por esse tempo se iniciou a obtenção de escravos negros, acção que, de resto, havia de continuar mesmo depois de seriamente reprovada pelo infante Henrique, via gorarem-se desse modo os seus planos de estabelecer com os Africanos linhas de comércio; com os ataques repetidos, as populações da orla marítima abandonavam as suas aldeias próximas do mar, para se refugiarem no interior, deixando a costa deserta; e sem interlocutores não é possível negociar.
Seria também de supor, e com igual probabilidade, o êxito da viagem também ficaria assegurado por essa via, que o objectivo que de início a ditara fosse antes carregar o seu navio de peles e gordura de lobos-marinhos, que existiam então em grande abundância no Rio do Ouro, e já em viagens anteriores tinham sido caçados e produzido um apreciável lucro. Esta segunda alternativa podia parecer-nos a mais plausível, porque Nuno Tristão foi encontrar-se com Antão Gonçalves exactamente no Rio do Ouro; a este último capitão, que era guarda-roupa do Infante e partira do Algarve pouco tempo antes de Tristão, tinha o Infante dado a incumbência, expressa e única, de carregar aquele navio de coirama e azeite, nos dizeres de Azurara, ou seja, de peles e óleo. Acrescente-se, porém, e ainda dando crédito ao cronista, que Antão Gonçalves, depois de ter carregado o seu navio, como lhe fora ordenado, não ficara muito satisfeito por se ver limitado a uma tarefa sem relevo militar ou cavaleiresco; ele ambicionava, certamente, ascender na escala social, e não era a caçar lobos-marinhos que podia atingir esse objectivo. Por isso, num discurso que a Crónica reproduz (ou, mais provavelmente, Azurara reinventou), propôs aos seus companheiros que saltassem em terra e fizessem por obter os primeiros cativos; com essa acção alcançavam-se dois fins: o lucro adveniente da venda como escravos daqueles que pudessem capturar; e de algum ou de alguns deles o infante Henrique vir a ter conhecimento da natureza daquela terra e quantos eram os moradores dela. O que foi posto em prática, aliás com um desanimador resultado na primeira tentativa.
Estas suposições, que ajudam a situar Tristão no clima que rodeava os navegadores daquele tempo, são, em parte, rectificadas pela Crónica. Azurara afirma, de facto, que a Tristão fora entregue uma caravela armada com o especial mandado do Infante de passar além da Pedra da Galé o mais longe que pudesse, e que, além disso, procurasse capturar gente, por qualquer maneira que melhor pudesse. A viagem tinha portanto, e seguramente, dois objectivos bem definidos: prosseguir a exploração da costa ocidental africana e cativar mouros ou negros (assim se refere sempre Azurara aos prisioneiros). É possível que existisse também uma não expressa incumbência de recolher informações sobre as áreas para o interior das costas navegadas; pelo menos Tristão levava consigo um intérprete, e que pouco serviu, pelo menos nos primeiros contactos, pois não pôde entender os dois cativos que Antão Gonçalves tinha em seu poder quando os dois navegadores se encontraram; tão-pouco pôde falar com os prisioneiros que os dois capitães fizeram em conjunto. O intérprete de Tristão falava árabe, e os cativos azenegue ou sauri, à excepção de um cavaleiro nobre que estava entre eles, porventura islamizado e que, falando também árabe, se pôde entender com o língua de Tristão». In Luís de Albuquerque, Navegadores, Viajantes, Aventureiros Portugueses, Séculos XV e XVI, Nuno Tristão, Editorial Caminho, Lisboa, 1987.

Cortesia de Caminho/JDACT