Nuno Tristão foi um dos mais próximos colaboradores do Infante, ultrapassando
o cabo Branco e atingindo a ilha de Arguim
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O Escudeiro mareante
«O que se sabe acerca da vida de Nuno
Tristão, e em especial a respeito das suas viagens à costa ocidental africana,
onde veio a ser morto, é-nos transmitido, com alguns pormenores de interesse,
pela Crónica
da Guiné de Gomes Eanes de Azurara. Foi reunindo as informações dispersas
do cronista que urdimos o presente relato. Quando se iniciou nas navegações, em
1441 ou 1442, provavelmente ainda bastante jovem (mas desconhece-se o ano
do seu nascimento), Nuno Tristão
tinha já recebido a honra de cavaleiro; a Crónica diz dele, e não custa acreditá-la,
que se tratava de um homem destemido e de boa decisão; e sem dúvida era também da
inteira confiança do infante Henrique, pois fora criado desde baixa idade na
câmara deste príncipe.
Sobre os motivos determinantes da sua primeira viagem, se a Crónica
os não declarasse de modo expresso, era possível tecer algumas conjecturas. Podia
admitir-se, por exemplo, que Nuno
Tristão fosse atraído para uma possível aquisição de escravos, por compra
ou por assaltos a pequenos povoados ribeirinhos. Foi através deste último
procedimento que por esse tempo se iniciou a obtenção de escravos negros, acção
que, de resto, havia de continuar mesmo depois de seriamente reprovada pelo infante
Henrique, via gorarem-se desse modo os seus planos de estabelecer com os Africanos
linhas de comércio; com os ataques repetidos, as populações da orla marítima
abandonavam as suas aldeias próximas do mar, para se refugiarem no interior,
deixando a costa deserta; e sem interlocutores não é possível negociar.
Seria também de supor, e com igual probabilidade, o êxito da viagem
também ficaria assegurado por essa via, que o objectivo que de início a ditara
fosse antes carregar o seu navio de peles e gordura de lobos-marinhos, que
existiam então em grande abundância no Rio do Ouro, e já em viagens anteriores
tinham sido caçados e produzido um apreciável lucro. Esta segunda alternativa
podia parecer-nos a mais plausível, porque Nuno
Tristão foi encontrar-se com Antão Gonçalves exactamente no Rio do
Ouro; a este último capitão, que era guarda-roupa do Infante e partira do Algarve
pouco tempo antes de Tristão, tinha o
Infante dado a incumbência, expressa e única, de carregar aquele navio de coirama e azeite, nos dizeres de
Azurara, ou seja, de peles e óleo. Acrescente-se, porém, e ainda dando crédito
ao cronista, que Antão Gonçalves, depois de ter carregado o seu navio, como
lhe fora ordenado, não ficara muito satisfeito por se ver limitado a uma tarefa
sem relevo militar ou cavaleiresco; ele ambicionava, certamente, ascender na escala
social, e não era a caçar lobos-marinhos que podia atingir esse objectivo. Por
isso, num discurso que a Crónica reproduz (ou, mais
provavelmente, Azurara reinventou), propôs aos seus companheiros que saltassem
em terra e fizessem por obter os primeiros cativos; com essa acção
alcançavam-se dois fins: o lucro adveniente da venda como escravos daqueles que
pudessem capturar; e de algum ou de alguns deles o infante Henrique vir a ter conhecimento
da natureza daquela terra e quantos eram os moradores dela. O que foi posto em
prática, aliás com um desanimador resultado na primeira tentativa.
Estas suposições, que ajudam a situar Tristão no clima que rodeava os navegadores daquele tempo, são, em
parte, rectificadas pela Crónica. Azurara afirma, de facto, que
a Tristão fora entregue uma caravela
armada com o especial mandado
do Infante de passar além da Pedra da
Galé o mais longe que pudesse, e que, além disso, procurasse capturar
gente, por qualquer maneira que melhor
pudesse. A viagem tinha portanto, e seguramente, dois objectivos bem
definidos: prosseguir a exploração da costa ocidental africana e cativar mouros
ou negros (assim se refere sempre Azurara aos prisioneiros). É possível que
existisse também uma não expressa incumbência de recolher informações sobre as
áreas para o interior das costas navegadas; pelo menos Tristão levava consigo um intérprete, e que pouco serviu, pelo
menos nos primeiros contactos, pois não pôde entender os dois cativos que Antão
Gonçalves tinha em seu poder quando os dois navegadores se encontraram; tão-pouco
pôde falar com os prisioneiros que os dois capitães fizeram em conjunto. O
intérprete de Tristão falava árabe,
e os cativos azenegue ou sauri, à excepção de um cavaleiro nobre que estava entre eles,
porventura islamizado e que, falando também árabe, se pôde entender com o língua
de Tristão». In Luís de Albuquerque, Navegadores,
Viajantes, Aventureiros Portugueses, Séculos XV e XVI, Nuno Tristão, Editorial
Caminho, Lisboa, 1987.
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