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Construir e Organizar. A diocese de Lamego nas suas origens
«(…) Em Coimbra, a restauração da diocese, que fora planeada por Fernando
Magno e Sesnando, só se verificou com Afonso VI, que, pelo ano de 1080, colocou na cátedra da cidade o
bispo Paterno. Coimbra foi, pois, a única das três sedes episcopais portuguesas
reconquistadas por Fernando Magno a conhecer uma efectiva restauração, tendo Paterno
sido seguido por toda uma série de prelados, numa sucessão ininterrupta que vem
até aos nossos dias. Em Lamego e Viseu, pelo contrário, foi necessário aguardar
por meados do século XII para haver prelados nas suas cátedras, tendo ambas as
dioceses ficado, entretanto, subordinados à autoridade da Sé de Coimbra.
A dependência face a Coimbra
A subordinação destes
dois bispados à diocese de Coimbra prendeu-se com vários factores. Em primeiro
lugar, há que ter em conta a importância primordial que esta cidade então
assumia. Antiga sede de condado, mantivera essa primazia ao ser entregue a
Sesnando; a sua conquista transformou-a em guarda avançada da fronteira
meridional com os muçulmanos no extremo ocidente hispânico, papel que
desempenhou até à passagem da linha fronteiriça do Mondego para o Tejo, em 1147. Coimbra exercia, pois, nas
décadas finais do século XI, uma hegemonia incontestada no território governado
por Sesnando, quer do ponto de vista político, quer do ponto de vista
estratégico e militar. A sua hegemonia eclesiástica seria também desejada pelo
conde moçárabe, que não veria qualquer vantagem em menorizar a importância da
cidade com a restauração de mais dioceses no interior do condado. Importava
mais, ao invés, manter o poder eclesiástico sobre toda a região concentrado nas
mãos de um único prelado, Paterno, com quem Sesnando tinha uma
relação de grande proximidade, e utilizar os rendimentos de Lamego e Viseu para
colmatar a as necessidades de Coimbra, que tinha ainda boa parte dos seus
territórios sob domínio árabe. Depois da morte de Sesnando, em 1091, o governo do condado passou para
seu genro, Martim Moniz, sendo poucos anos depois entregue pelo imperador
Afonso VI a Raimundo, e, em 1096,
a Henrique, passando então a integrar o recém-formado Condado
Portucalense. A situação das dioceses do interior beirão não mudou,
porém, com as alterações políticas sofridas; pelo contrário, a sua subordinação
a Coimbra foi ratificada pela bula Apostolicae
Sedis, outorgada pelo papa Pascoal II, a 24 de Março de 1101, a favor do bispo Maurício Burdino,
bula essa que, curiosamente, foi
a primeira carta pontifícia destinada a um prelado conimbricense.
O governo das dioceses
dependentes seria feito por intermédio de arcediagos ou priores, assim se tem
dito, como se os termos fossem sinónimos. Comecemos por perceber as diferenças
entre uns e outros, para depois vermos o que nos dizem as fontes a este
respeito. A designação de prior, nesta época, em Coimbra, e centramo-nos em Coimbra
por ser o espaço que nos importa de momento, mas o essencial do que for dito é
válido para as outras dioceses do reino, incidia sobre aquele que presidia ao
cabido, e que veio mais tarde a ser chamado deão. De acordo com as mais antigas
informações acerca da organização capitular da catedral de Coimbra, em finais
do século XI, o prior, escolhido de entre os cónegos, tinha a seu cargo a administração
patrimonial, assim como funções que vieram a ser atribuídas ao mestre-escola e
ao tesoureiro. Segundo os estatutos de 1127,
o prior era o encarregado dos
mais diversos aspectos da vida material e litúrgica da comunidade canonical
ligada à Sé. Os arcediagos,
por seu turno, eram os oculi episcopi
(os olhos do bispo), encarregados de o coadjuvar na administração
dos territórios diocesanos, visitando-os em seu nome, julgando querelas,
prolongando a sua acção pastoral. Encontram-se documentados na diocese desde
cerca de 1090; mas é difícil
perceber se têm ou não alguma relação com o governo de Lamego e Viseu.
Na verdade, a presença
dos delegados de Coimbra na administração destas duas dioceses é muito difícil
de captar. Assim nos mostra, claramente, o exemplo do mosteiro de Arouca, a
instituição monástica do bispado de Lamego que maior número de documentos
conservou: em 93 diplomas referentes ao período de subordinação a Coimbra, um
só faz menção clara à existência de um arcediago à frente do governo de Lamego;
precisamente o mesmo que, entre todos os documentos conhecidos outorgados pelos
condes portucalenses e pelo monarca Afonso Henriques, é o único a indicar
expressamente os agentes da diocese de Coimbra naqueles dois bispados. Observemos
mais de perto as informações deste diploma, uma carta outorgada por D.
Teresa a 31 de Março de 1128,
que inclui na data a menção ao arcebispo de Braga, ao bispo do Porto e aos
responsáveis pelas três outras dioceses do condado à época: in Colimbria arkidiacono Tello, in Uiseo
Odorio priore, in sede Lameco arkidiacono Monino. No caso de Coimbra, o
governante referido é o arcediago Telo, que viria a ser um dos fundadores do
mosteiro de Santa Cruz; a Sé encontrava-se vaga após a morte do bispo, Gonçalo,
ocorrida no ano anterior. Para Viseu, é indicado o prior Odório, que presidia
ao cabido da catedral. À frente de Lamego, encontramos um arcediago, Mónio, a
respeito do qual dispomos somente desta informação que nos dá a saber que, no
final de Março de 1128, era sobre
ele que recaía a autoridade eclesiástica na diocese». In Maria do Rosário B. Morujão, Espaço, Poder e Memória. A Catedral de Lamego, Séculos XII a
XX, Coordenação de Anísio Miguel
Sousa Saraiva, Estudos de
História Religiosa, Centro de Estudos de História Religiosa, Faculdade de
Teologia, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2013, ISBN: 978-972-8361-57-0
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