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«Salve,
ó vale do sul, saudoso e belo!
Salve,
ó pátria da paz, deserto santo,
onde
não ruge a grande voz das turbas!
Solo
sagrado a Deus, pudesse ao mundo
o
poeta fugir, cingir-se ao ermo,
qual
ao freixo robusto a frágil hera,
e a
romagem do túmulo cumprindo,
só
conhecer, ao despertar na morte,
essa
vida sem mal, sem dor, sem termo,
que
íntima voz contínuo nos promete
no
trânsito chamado o viver do homem.
Suspira
o vento no álamo frondoso;
as
aves soltam matutino canto;
late
o lebréu na encosta, e o mar sussurra
dos
alcantis na base carcomida:
eis
o ruído de ermo! Ao longe o negro,
insondado
oceano, e o céu cerúleo
se
abraçam no horizonte. Imensa imagem
da
eternidade e do infinito, salve!
Oh,
como surge majestosa e bela,
com
viço da criação, a natureza
no
solitário vale! E o leve insecto
e a
relva e os matos e a fragrância pura
das
boninas da encosta estão contando
mil
saudades de Deus, que os há lançado,
com
mão profusa, no regaço ameno
da
solidão, onde se esconde o justo.
E lá
campeiam no alto das montanhas
os
escalvados píncaros, severos,
quais
guardadores de um lugar que é santo;
atalaias
que ao longe o mundo observam,
cerrando
até o mar o último abrigo
da
crença viva, da oração piedosa,
que
se ergue a Deus de lábios inocentes.
Sobre
esta cena o sol verte em torrentes
da
manhã o fulgor; a brisa esvai-se
pelos
rosmaninhais, e inclina os topos
do
zimbro e alecrineiro, ao rés sentados
desses
tronos de fragas sobrepostas,
que
alpestres matas de medronhos vestem;
o
rocio da noite à branca rosa
no
seio derramou frescor suave,
e
inda existência lhe dará um dia.
Formoso
ermo do sul, outra vez, salve!
Negro,
estéril rochedo, que contrastas,
na
mudez tua, o plácido sussurro
das
árvores do vale, que vicejam
ricas
d’encantos, coa estação propícia;
suavíssimo
aroma, que, manando
das
variegadas flores, derramadas
na
sinuosa encosta da montanha,
do
altar da solidão subindo aos ores,
és
digno incenso ao Criador erguido;
livres
aves, filhas da espessura,
que
só teceis da natureza as hinos,
o
que crê, o cantor, que foi lançado,
estranho
no mundo, no bulício dele,
vem
saudar-vos, sentir um gozo puro,
dus
homens esquecer paixões e opróbio,
e
ver, sem ver-lhe a luz prestar a crimes,
o
Sol, e uma só vez puro saudar-lha.
Convosco
eu sou maior; mais longe a mente
dos
céus se imerge livre,
e se
desprende de mortais memórias
na
solidão solene, onde, incessante,
em
cada pedra, em cada flor se escuta
do
Sempiterno a voz, e vê-se impressa
a
dextra sua em multiforme quadro.
Escalvado
penedo, que repousas
lá
no cimo do monte, ameaçando
ruína
ao roble secular da encosta,
que
sonolento move a coma estiva
ante
a aragem do mar, foste formoso;
já
te cobriram cespedes virentes;
mas
o tempo voou, e nele envolta
a
formosura tua. Despedidos
das
negras nuvens o chuveiro espesso
e o
granizo, que o solo fustigando
tritura
a tenra lanceolada relva,
durante
largos séculos, no Inverno,
dos
vendavais no dorso a ti desceram.
Qual
amplexo brutal de ardos grosseiro,
que,
maculando virginal pureza.
Do
pudor varre a auréola celeste,
e
deixa, em vez de um serafim m Terra,
queimada
flor que devorou o raio.
[…]
In
Alexandre Herculano, A Harpa do Crente, A Arrábida, 1830, Livros de Bolso
Europa-América 257.
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