quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Aprendizagem. O arranque dos Descobrimentos. Paulo Jorge Pinto. «Como afirma um autor do século passado, desencadeados, pelos guias, os grandes movimentos ideológicos, doutrinários, espirituais, as multidões movem-se…»

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Como foi feita a aprendizagem da ciência náutica?
«(…) Assim, a cada passo, a cada avanço, seguia-se inevitavelmente um novo obstáculo, um novo desafio que era necessário vencer, o que, por vezes, obrigava a um abrandamento das viagens. Um dos mais importantes foi a chegada dos navios ao equador, região onde a Estrela Polar não é mais visível. O regimento da Polar deixava de ser útil. Foi necessário aperfeiçoar e adaptar os conhecimentos astronómicos que a Europa já dispunha: o regimento do Sol, ou seja, a determinação da latitude pela sua observação ao meio-dia, utilizando para isso um outro instrumento, o astrolábio e tábuas, com os dados da declinação solar ao longo do ano. O aperfeiçoamento e crescente rigor da navegação astronómica eram simultaneamente causa e consequência do contacto, da prática e do avanço para sul. No reinado de João II, este processo foi acelerado, com a exploração do Atlântico Sul e a preparação das condições técnicas necessárias para a viagem à Índia, que veio a ocorrer já no reinado de Manuel I.

O impulso dos Descobrimentos foi dado por um homem ou por um colectivo?
Podia ser uma questão escolar: quem construiu a grande pirâmide do Egipto? Os manuais afirmam que foi um faraó da 4.ª dinastia, Kéops, também chamado Khufu, mas há muito que foi lançada uma pergunta alternativa: o faraó ou os muitos milhares de escravos e de trabalhadores anónimos? Este exemplo simples tem múltiplas variantes interrogativas: o nazismo foi obra de um líder e de um punhado de seguidores ou de todo um povo? Cortés conquistou o império Asteca ou foram os seus aliados tlaxcalas que venceram os inimigos? A relação entre o indivíduo, geralmente uma figura política central, e o colectivo, uma massa indistinta de gente cujo nome não ficou registado, sempre foi um dos problemas mais importantes na História; não apenas da História-passado, mas da História-conhecimento. Estas questões estão também presentes na história dos descobrimentos portugueses, envolvendo o protagonismo e a responsabilidade pelo arranque e impulso da expansão. Existiria, de alguma forma, uma vontade dos portugueses, enquanto povo, para se lançarem na aventura marítima, ou esse impulso ficou a dever-se, sobretudo, à acção determinada de um indivíduo? Ou a iniciativa terá partido de um determinado grupo específico ou classe social? De um modo grosseiro, pode afirmar-se que a visão deste problema oscila entre dois extremos, que revelam concepções opostas da História e dos seus motores: primeiro, uma visão tradicional que tendia a detectar e a concentrar a atenção nos protagonistas, nas figuras de topo e nos heróis, fossem eles o infante Henrique, o seu irmão Pedro ou João II, tomando as várias épocas da História como cenários de fundo onde se movem os grandes vultos.
Como afirma um autor do século passado, desencadeados, pelos guias, os grandes movimentos ideológicos, doutrinários, espirituais, as multidões movem-se, com todas as suas virtudes e defeitos, produzindo heróis e santos, feitos sublimes e misérias confrangedoras. No outro extremo, e em reacção a estas abordagens meramente biográficas e desligadas da realidade social, está a procura das motivações económicas, dos conflitos sociais e dos interesses de classes, sejam da nobreza terra-tenente ou da burguesia urbana. Aqui, a importância das figuras dilui-se e estas não passam de receptáculos da vontade de forças sociais mais profundas. Eis a conclusão: a luta entre a burguesia [...] a nobreza feudal pelo domínio do estado, com a força impulsionadora dominante e decisiva duma burguesia estrategicamente na ofensiva [...] é o verdadeiro motor da história do século XV pelo menos e, no caso, da história da expansão. Estas abordagens opostas reflectiram-se, como noutras temáticas, no ensino. Quem frequentou a escola antes de 1974 aprendia nomes, datas e factos; posteriormente, a atenção centrou-se em conceitos abrangentes, em problemas sociais e em condições materiais, técnicas e mentais. Comparando os manuais escolares, é com alguma dificuldade que se percebe estar-se perante a mesma época e o mesmo mundo. Assim, no antigo 7.º ano dos liceus falava-se na vocação marítima de Portugal, e no espírito de cruzada, e citavam-se os nomes e as datas mais importantes das explorações henriquinas. Duas décadas mais tarde, e para o ano escolar equivalente, 11.º ano, os capítulos referem civilização material e mentalidade, progressos técnicos e domínio do espaço ou a nova representação cartográfica da Terra; a expansão portuguesa está diluída nas grandes transformações europeias, não há datas exactas e figuram poucos nomes, o do infante Henrique, entre outros, está omisso». In Paulo Jorge Sousa Pinto, Os Portugueses Descobriram a Austrália? Porque foi Conquistada Ceuta? O arranque dos Descobrimentos, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-498-7.

Cortesia de EdosLivros/JDACT