wikipedia e jdact
20
de Setembro de 1563. O primo alentejano
«Neste
dia faleceu Teodósio, 5.º duque de Bragança. Figura silenciada pela cronística e
esquecida pela historiografia, governou o ducado de Bragança durante trinta anos,
desde a morte do seu pai, Jaime, a 22 de Dezembro de 1532, até ao seu próprio falecimento. Era primo d'el-rei Sebastião
I, pois ambos descendiam do infante Fernando, filho d'el-rei Duarte I. Fora
sobrinho-neto de Manuel I e primo como sobrinho de João III. A ligação entre a Casa
de Bragança e a Coroa estreitou-se passado mês e meio, quando João, o novo duque,
se casou com dona Catarina, filha do infante Duarte e neta d'el-rei Manuel I. O
duque Teodósio viveu a maior parte da sua vida na sede dos seus domínios em Vila
Viçosa. Frequentou muito a corte, na década de 30, quando João III permaneceu
prolongadamente em Évora, após o terramoto de 1531, mas raramente
acompanhou o monarca fora do Alentejo, e é difícil encontrá-lo em Lisboa, a não
ser nas grandes cerimónias da monarquia. Tal como os reis portugueses do seu
tempo, o duque não foi à guerra, o que ajudou, decerto, a que ficasse na penumbra
da História, ofuscado pelos feitos do seu pai, o conquistador de Azamor, em 1513, e pelos do seu meio-irmão, Constantino,
vice-rei da Índia (1558-1561),
conquistador de Damão e iniciador da conquista de Ceilão.
No entanto,
o duque Teodósio deixou-nos um legado extraordinário, que permanece de pé, mais
de quinhentos anos depois da sua morre, o paço ducal de Vila Viçosa. o edifício
começou a ser construído pelo seu pai, que realizou as duas primeiras campanhas,
que correspondem, grosso modo, ao claustro, capela e cozinha, mais o bloco em
que se incluem no piso superior os apartamentos do rei Carlos I. Ao duque Teodósio
coube a edificação de um segundo corpo, contíguo ao primeiro, que se desenvolveu
na perpendicular para formar a fachada comprida que domina o Terreiro do Paço de
Vila Viçosa. Esta edificação longilínea foi construída em duas campanhas, de
que a primeira estava concluída em 1537,
quando se celebrou aí o casamento do infante Duarte, irmão de João III, com dona
Isabel, irmã do duque. O paço atingiu a sua dimensão actual ainda em vida de Teodósio;
os duques que se seguiram, particularmente o neto, e depois os reis da dinastia
de Bragança, continuaram a intervir no edifício, mas a volumetria criada pelo
quinto duque perdurou até aos nossos dias. Trata-se do maior palácio renascentista
que existe em Portugal, um dos raros exemplos de arquitectura civil dessa época
que chegou aos nossos dias. Esta obra justificava, só por si, uma menção ao
duque Teodósio nesta obra, mas estudos recentes deram-nos a conhecer um homem fascinante,
culto e conhecedor do mundo. Quando morreu, o duque Teodósio deixou três filhos
e uma viúva menores de 20 anos, e para que as partilhas entre os seus herdeiros
fossem bem executadas foi feito um inventário de todos os bens existentes à morte
do duque. o documento original perdeu-se, mas perduram duas cópias, e os seus conteúdos
têm sido estudados sistematicamente por uma equipa interdisciplinar, liderada pela
historiadora Jessica Halett do Centro de História de Além-Mar.
O duque
Teodósio casou-se pela primeira vez em 1542
com dona Isabel, sua prima coirmã, filha do conde Dinis de Portugal-Castro e, como
ele, neta de Fernando, o terceiro duque, o que fora decapitado em Évora, em 1483. Deste casamento nasceu João, que foi
o 6.º duque de Bragança, e que tinha 19 anos quando o pai faleceu. A duquesa morreu
em 1558, e no ano seguinte Teodósio voltou
a casar. A sua segunda esposa foi dona Beatriz Lencastre, sobrinha do duque de Aveiro,
que tinha apenas 16 anos e que lhe deu dois filhos, Jaime e Isabel. O inventário
destinava-se a identificar todos os bens existentes no paço e incluem uma estimativa
do seu valor e, muitas vezes, o preço de aquisição, o intermediário que permitiu
a compra e o local de origem da peça. Através do inventário, sabemos que o
duque Teodósio tinha em Vila Viçosa objectos oriundos dos quatro continentes conhecidos,
nomeadamente do Brasil e das Caraíbas, da China, da Índia e do Ceilão, mais da Pérsia
e da Turquia, e ainda da Guiné e de Marrocos, além do muito que vinha das mais
variadas partes da Europa. Hoje podemos dizer que Teodósio, tendo vivido quase toda
a sua vida no sossego do interior alentejano, pôde ver o mundo a partir daí, pelo
que podia manusear, pelo que podia ler e ouvir sobre essas desvairadas partes de
um mundo que ganhava agora uma forma planetária. O inventário testemunha-nos uma
corte ducal sofisticada e luxuosa, onde abundam as jóias, as tapeçarias, as pinturas,
as esculturas, o mobiliário e as roupas de tecidos finos; e embora o duque não tenha
ido à guerra, estava apetrechado para servir a Coroa se fosse necessário, pois tinha
armas para equipar uma pequena hoste rapidamente.
Além
disso, Teodósio tinha uma enorme biblioteca, com mais de 1600 títulos e, por certo,
mais de 2000 volumes. Tanto quanto se sabe, seria a maior biblioteca portuguesa
do seu tempo e uma das maiores da Europa e estava actualizada. Dispondo de agentes
em vários pontos da Europa, o duque adquiria todas as novidades que lhe interessavam,
tanto no campo da teologia como no da ciência, além do gosto pela música, que perduraria
em seu bisneto, o 8.º duque de Bragança, que depois foi João IV de Portugal. A biblioteca
era um projecto que esteve em desenvolvimento até à morte do duque, pois cerca de
10 % das aquisições foram feitas no período do seu segundo casamento, ou seja,
entre 1559 e 1563. Esta grande biblioteca, que infelizmente se dispersou,
fazia parte de um projecto do duque Teodósio para a criação de uma universidade
em Vila Viçosa, que não foi avante, mas que ilustra bem a envergadura do 5.º
duque de Bragança. A 20 de Setembro de 1563 faleceu um ilustrado renascentista, uma das figuras mais
cultas da nobreza portuguesa quinhentista, um homem que através da sua corte
ducal pôde compreender o mundo». In João Paulo Oliveira Costa, Episódios da
Monarquia Portuguesa, Círculo de Leitores, Temas e Debates, 2013, ISBN
978-989-644-248-4.
Cortesia
de CL/TDebates/JDACT