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«No recreio
da antiga escola de Terezín, diante da porta fechada do amplo ginásio, uma grande
multidão encontra-se pacientemente reunida. Aguarda-se a chegada dos artistas,
os quais devem ter prioridade de entrar no salão, já que mais tarde
dificilmente o conseguiriam. Ei-los que se aproximam, enfim, Rafael Schaechter e
todo o conjunto, calorosamente saudados pela multidão, sem qualquer espécie de
cerimónia, como se costumam cumprimentar bons amigos que se encontram diariamente
na rua. Não existe entre eles a distância do espectador ao artista, todos são prisioneiros
do mesmo lager. Olá, Rafinho, gritam-lhe
daqui e dali, hoje queremos assistir a qualquer coisa de especial. Aqui ninguém
usa outro nome para ele; é assim que todo o gueto
conhece este moço de óculos, um tanto baixote. Mãos à obra, ouve-se de todos os
lados para encorajar os artistas. Estes sorriem e, com um leve aceno de cabeça,
prometem que a coisa sairá de primeira, não haverá decepção. Schaechter abre a porta,
os artistas vão entrando e encaminham-se directamente para os seus lugares. Não
há palco, vendo-se apenas, em frente da estante do regente, um caixote virado. É
o estrado do maestro. Schaechter sobre
para ele e fica a olhar para o público que vai ocupando a sala.
Entram
adultos e crianças, pois até estas, já que a morte, no campo, a todos ronda, hão-de
compreender a música desta noite. Muita gente idosa. Gente magra, recurvada, envergando
velhas roupas remendadas. Autênticos mendigos. Porém, são justamente estes que,
através da pose e da atitude, tentam expressar o cunho solene da estreia de hoje,
nem que seja por meio de uma tirinha de pano no lugar da gravata. Não há ninguém
para encaminhar os convidados; todos sabem perfeitamente para onde se devem dirigir.
Às crianças ficou reservado o lugar no chão mais perto da orquestra, os velhos
vão-se acomodando, muito apertados, em compridos bancos de madeira e os adultos
mais novos ajeitam-se o melhor que podem, junto às paredes e nas coxias. Será que
ainda há lugar para mais alguém? A sala está apinhada, parecendo não comportar mais
ninguém. No entanto, Schaechter espera, pacientemente, enquanto outros e mais outros
vêm entrando. É incrível, como a massa humana se pode comprimir daquela maneira!
Bom público
de estreia!, pensa o regente. Poderia encontrar, no meio dele, às dúzias,
músicos e críticos notáveis! Até dava para organizar o corpo docente de um conservatório
de música! De facto, um público desse nível, com tanta cultura musical, não se encontra
em qualquer parte. E, certamente, em lugar algum os ouvintes aguardam com tanta
ansiedade os primeiros acordes de uma estreia. Cessou o movimento junto à porta,
não vem mais ninguém. A porta, porém, fica aberta, não só porque é impossível fechá-la
mas também para dar aos que não conseguiram entrar uma oportunidade de ouvirem.
Pode-se começar». In Josef Bor, Requiem em Terezín, 1963, colecção os livros das três
abelhas, Publicações Europa-América, 1966, edição 2085-1286.
Cortesia
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