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Finalmente, um pé em terra
«(…) Finalmente,
e segundo as fontes chinesas da época, o facto de os portugueses conseguirem trazer
para comerciar uma mercadoria raríssima e muito apreciada pelo imperador, em Beijing,
o âmbar cinzento (obtido no Sueste Asiático), seria outro dos factores que abriram
as portas ao comércio e mesmo à instalação em terra. Marginal à coroa
portuguesa (que nesse ano de 1557 via
morrer João III e aparecer no horizonte um Sebastião ainda criança), ao Estado da Índia e
aos imperadores, em Beijing, que durante muitos anos a desconheceram, a realidade
de Macau iria impor-se. Até hoje.
Fernão Mendes Pinto
e a China
Foi uma vida aventurosa. Pelas suas próprias palavras, foi vendido 16 vezes,
feito escravo 13 e naufragou outras cinco. Fernão Mendes Pinto terá nascido em Montemor-o-Velho,
por volta dos anos de 1509, 1511 ou
mesmo 1514, no seio de uma famí1ia pobre. Em Dezembro de 1521, é trazido por um tio para Lisboa,
nessa altura com 60 mil habitantes e o centro de um reino dependente dos seus rendimentos
do comércio com a Ásia e a África (65 por cento), assolado por pestes e fomes e
pelo fundamentalismo religioso da Inquisição. Em 1523, o jovem Fernão Mendes Pinto vive em Setúbal, ao serviço da casa
do fidalgo Francisco Faria. e a partir de 1527
é moço de câmara na casa de Jorge, mestre de Santiago e filho bastardo de João II.
Em 11 de Março de 1537, parte para a
Ásia, numa armada de cinco naus comandada por Pedro Silva. Ia ao encontro de uma
Ásia imensa e rica, habitada por 250 milhões de pessoas, sede de civilizações muito
mais avançadas, em muitos aspectos, do que a europeia. Nesse mar de gentes e riquezas,
uns escassos cinco mil portugueses, munidos da superioridade técnica militar
(canhões), chegavam para controlar a maioria dos circuitos comerciais e estabelecer
feitorias-fortalezas ao longo das costas do Índico e do Pacífico.
Nos primeiros anos, Fernão terá vivido como soldado, no Indico Ocidental
(Goa, Diu, Ormuz), a partir de 1539
em Malaca e. até 1557, como mercador,
sobretudo no Sueste Asiático (zonas de Patane, Sião, Pegu) e na Ásia Oriental
(litorais da China e do Japão). Uma exposição dedicada a Fernão Mendes Pinto e os
Mares da China esteve recentemente patente nas instalações da Missão de Macau,
em Lisboa. Comissariada pelo historiador Luís Filipe Barreto, ela deu azo a um catálogo
com texto de sua autoria. A vida de mercador aventureiro de Fernão Mendes Pinto
deve ter começado por volta dos anos de 1539-40. É então enviado pelo capitão
de Malaca, Pêro Faria, ao rei de Aru, em Samatra, e a Patane, na costa oriental
da Península Malaia e Sião, na companhia de António Faria, escreve o historiador.
Patane, tributária do Sião/Aiuthia, era um porto estratégico para os mercadores
malaios e chineses e uma zona de produção de pimenta. A China consumia cerca de
75 por cento da pimenta do Sueste Asiático. Em Patane concentravam-se 300
portugueses ligados ao comércio privado da pimenta. cravo, maça, noz-moscada, âmbar,
têxteis indianos de algodão, sedas, porcelanas, cânfora, almíscar, pau-da-china,
ruibarbo, metais preciosos, moeda e armas de fogo. Entre 1541 e 1543, o nosso aventureiro
vive em Martabão, no reino de Pegu, servindo no exército do rei da Birmânia. O mais
tardar em 1543, Fernão Mendes Pinto vai,
pela primeira vez, à China e integra-se nas redes de comércio entre o Sião,
Pegu, a China e o Japão. Os portugueses começam a fazer comércio em Macau por
volta de 1535, e a residir aí por
volta de 1557. Uma carta de Fernão Mendes
Pinto datada de 20 de Novembro de 1555
é o primeiro documento em português escrito em Macau». In Fernando
Correia de Oliveira, 500 anos de Contactos Luso-Chineses, Público, Fundação
Oriente, 1998, ISBN 972-8179-28-6.
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