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Pregado
na Capela Real, no ano de 1655. Semen est verbum Dei. S. Lucas, VIII
«(…)
Lede as histórias eclesiásticas, e achá-las-eis todas cheias de admiráveis
efeitos da pregação da palavra de Deus. Tantos pecadores convertidos, tanta
mudança de vida, tanta reformação de costumes; os grandes desprezando as
riquezas e vaidades do Mundo; os reis renunciando os ceptros e as coroas; as
mocidades e as gentilezas metendo-se pelos desertos e pelas covas; e hoje? Nada
disto. Nunca na Igreja de Deus houve tantas pregações, nem tantos pregadores
como hoje. Pois se tanto se semeia a palavra de Deus, como é tão pouco o fruto?
Não há um homem que em um sermão entre em si e se resolva, não há um moço que
se arrependa, não há um velho que se desengane. Que é isto? Assim como Deus não
é hoje menos omnipotente, assim a sua palavra não é hoje menos poderosa do que
dantes era. Pois se a palavra de Deus é tão poderosa; se a palavra de Deus tem
hoje tantos pregadores, porque não vemos hoje nenhum fruto da palavra de Deus?
Esta, tão grande e tão importante dúvida, será a matéria do sermão. Quero
começar pregando-me a mim. A mim será, e também a vós; a mim, para aprender a
pregar; a vós, que aprendais a ouvir.
III
Fazer
pouco fruto a palavra de Deus no Mundo, pode proceder de um de três princípios:
ou da parte do pregador, ou da parte do ouvinte, ou da parte de Deus. Para uma
alma se converter por meio de um sermão, há-de haver três concursos: há-de
concorrer o pregador com a doutrina, persuadindo; há-de concorrer o ouvinte com
o entendimento, percebendo; há-de concorrer Deus com a graça, alumiando. Para
um homem se ver a si mesmo, são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz.
Se tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e
olhos, e é de noite, não se pode ver por falta de luz. Logo, há mister luz, há
mister espelho e há mister olhos. Que coisa é a conversão de uma alma, senão entrar
um homem dentro em si e ver-se a si mesmo? Para esta vista são necessários
olhos, e necessária luz e é necessário espelho. O pregador concorre com o
espelho, que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a graça; o homem
concorre com os olhos, que é o conhecimento. Ora suposto que a conversão das
almas por meio da pregação depende destes três concursos: de Deus, do pregador
e do ouvinte, por qual deles devemos entender que falta? Por parte do ouvinte,
ou por parte do pregador, ou por parte de Deus? Primeiramente, por parte de
Deus, não falta nem pode faltar. Esta proposição é de fé, definida no Concílio
Tridentino, e no nosso Evangelho a temos. Do trigo que deitou à terra o
semeador, uma parte se logrou e três se perderam. E porque se perderam estas
três? A primeira perdeu-se, porque a afogaram os espinhos; a segunda, porque a
secaram as pedras; a terceira, porque a pisaram os homens e a comeram as aves.
Isto é o que diz Cristo; mas notai o que não diz. Não diz que parte alguma
daquele trigo se perdesse por causa do sol ou da chuva. A causa por que
ordinariamente se perdem as sementeiras, é pela desigualdade e pela intemperança
dos tempos, ou porque falta ou sobeja a chuva, ou porque falta ou sobeja o sol.
Pois porque não introduz Cristo na parábola do Evangelho algum trigo que se
perdesse por causa do sol ou da chuva? Porque o sol e a chuva são as afluências
da parte do Céu, e deixar de frutificar a semente da palavra de Deus, nunca é
por falta: do Céu, sempre é por culpa nossa. Deixará de frutificar a
sementeira, ou pelo embaraço dos espinhos, ou pela dureza das pedras, ou pelos
descaminhos dos caminhos; mas por falta das influências do Céu, isso nunca é
nem pode ser. Sempre Deus está pronto da sua parte, com o sol para aquentar e
com a chuva para regar; com o sol para alumiar e com a chuva para amolecer, se
os nossos corações quiserem: qui solem suum oriri facit super bonos et
malos, et pluit super justos et injustos. Se Deus dá o seu sol e a sua
chuva aos bons e aos maus; aos maus que se quiserem fazer bons, como a negará?
Este ponto é tão claro que não há para que nos determos em mais prova. Quid
debui facere vineae meae, et non feci?, disse o mesmo Deus por Isaías». In
Sermões, padre António Vieira, 1655, Sermões Escolhidos. v.2, São Paulo,
Edameris, 1965, Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro, Universidade de São
Paulo, Universidade de Santa Catarina, Wikipédia.
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