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Afonso VI, o rei das cinco esposas e duas concubinas (1073-1085)
«(…) O primeiro proveniente do Antigo Testamento, um dos textos básicos
da cristandade na Idade Média e do qual se extraíam muitos exempla para a vida dos fiéis. A referência é, naturalmente, o episódio
do Génesis que narra como Abraão, devido à esterilidade da sua mulher Sara,
toma a egípcia Agar para poder ter um filho e assim cumprir o dever de qualquer
homem hebreu, ter descendência (e Sara disse a Abraão: o Senhor não me deixa
ter filhos, chega-te à minha serva para ver se ela me dá filhos; Abraão aceitou
a proposta; passados dez anos de viver em Canaã, Sara, a mulher de Abraão,
tomou Agar, a escrava egípcia e deu-a a Abraão, seu marido, como esposa; ele chegou-se
a Agar e ela concebeu; inclusivamente hoje, a igreja faz uma interpretação
tendo em conta os condicionamentos culturais da época; ao sustentar que este capítulo
descreve a vida familiar de um beduíno, segundo as leis da época; destacando que
a palavra de Deus assegura a descendência, não a lei), uma acção que no texto
bíblico parece contar com a aquiescência do mesmo Deus, de onde se poderia
deduzir que era mais importante ter descendência (lei divina) do que respeitar
a legislação humana. É exactamente o mesmo problema com que se debatia Afonso
VI.
Uma segunda base cultural e jurídica que podia servir a Afonso VI para
dar à sua relação com dona Jimena o reconhecimento que as suas nobres origens
mereciam, encontra-se num costume romano da época republicana, isto é, o berço
da civilização mais importante que tinha existido até então na Península Ibérica,
e que tinha a ver com uma solução utilizada por aqueles patrícios cujas esposas
eram incapazes de procriar, e lhes permitia a eles ter relações fora do casamento
com outras mulheres, depois de terem estipulado um contrato civil com elas só
para ter filhos, rebentos que acabavam por ser adoptados pela mulher legítima.
A este respeito, as fontes citam o caso de uma mulher chamada Túria, uma patrícia
romana da qual se conta que o marido realizou um matrimónio a termo,
destinado a ser dissolvido assim que a sua nova mulher pudesse cumprir o seu
dever. Talvez Túria pensasse que o marido pudesse substituí-la durante algum
tempo por uma mulher fértil (e talvez já grávida) e que uma vez extinta essa
tarefa se afastasse discretamente devolvendo-lhe não só o marido mas também os
filhos, que teria considerado também seus [...] É uma hipótese que se
considera situada no quadro das estratégias reprodutoras da aristocracia
romana. Novamente um caso muito
semelhante àquele com que se debatia o pai de dona Teresa.
Ao rei também não podia ser estranha a tradição dos reis godos, dos
quais se orgulhava de descender, e, dentro dela, o caso do rei Recaredo (o primeiro
soberano visigodo convertido ao catolicismo) e Baddo, mulher que tinha
partilhado a sua vida desde há alguns anos mediante uma relação de Friedelehe, união germânica civil. Dela,
esse monarca tinha tido um filho, Livua II, seu sucessor ao trono (dá-se o caso
de que de Baddo apenas se encontra referência numa obra de Santo Isidoro de
Sevilha; cujos restos o pai de Afonso tinha recebido em Leão, numa missão
encabeçada, entre outros, pelo conde Muño Muñiz). Por fim, seria preciso
mencionar a questão, tal como é considerada na religião muçulmana, com que o
rei tinha estado muito em contacto durante a sua juventude, quando se exilou no
reino taifa de Toledo, sem esquecer aqueles que eram mantidos com muita frequência
com os reis islamitas que seriam os seus vassalos na Península, para não falar
da sua posterior relação sentimental com a princesa muçulmana Zaida. Pois bem,
dentro da corrente xiita, o direito islâmico reconhecia (reconhece) a possibilidade
de um matrimónio a termo, em certos casos, como quando a mulher sofre de uma
doença e o marido não a pode repudiar, quiçá como acontecia com o monarca com dona
Constança, uma situação que na Espanha islamizada do século XII devia ser
conhecida não só pelos reis. Para concluir estas considerações, merece ser
lembrado algo que aconteceu um século depois do nascimento de dona Teresa,
exactamente em 1198, quando já as
leis do matrimónio canónico católico eram de observância obrigatória até para
os reis». In Marsilio Cassotti, D. Teresa, A Primeira Rainha de Portugal,
Prefácio de G. Oliveira Martins, Attilio Locatelli, A Esfera dos Livros, 2008,
ISBN 978-989-626-119-1.
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