quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

A Rainha Adúltera. Joana de Portugal. O Enigma da Excelente Senhora. Marsilio Cassotti. «Uma circunstância da qual uma infanta de dez anos com inteligência precoce, como era sem dúvida Joana, podia extrair úteis ensinamentos para a sua vida futura»

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Uma carta escrita pela minha mão
«(…) A crónica conta que, ao regressar nessa mesma noite a Lisboa, depois do combate, o muito jovem rei ouviu dos velhos e principais da corte, inimigos do infante, Pedro, o insistente conselho para que se divorciasse da mulher. Mas nesta ocasião, Afonso negou-se rotundamente a contentá-los e, com palavras de muito amor, escreveu à esposa, que se encontrava em Santarém, pedindo-lhe desculpas por não a ir ver e solicitando-lhe que regressasse a Lisboa. Com enorme força de ânimo, e fazendo uso de discrição e prudência, dona Isabel Lencastre, que tinha então dezassete anos, a mesma idade que o marido, obedeceu e dirigiu-se ao palácio das Alcáçovas, onde se encontrou com ele nos aposentos reais. Pouco depois, o rei ordenou que o seu mordomo, Álvaro Castro, fosse libertado e exonerado da acusação de ter cometido adultério com a rainha. A história misturava ambição de poder, invejas cortesãs e relações físicas e afectivas, tudo isso somado à necessidade política de o rei ter um herdeiro o mais depressa possível, para consolidar o poder real num momento de crise de autoridade no reino. Uma circunstância da qual uma infanta de dez anos com inteligência precoce, como era sem dúvida Joana, podia extrair úteis ensinamentos para a sua vida futura. De qualquer modo, mais adequados à sua futura vida do que as lições que lhe cabia aprender de cor naqueles dias.
Sobretudo porque, no que diz respeito à educação das mulheres da realeza, é obrigatório perguntar até que ponto as lições aprendidas, e nessa época quase sempre dadas por religiosos chamados a fazer carreira na corte e na Igreja, eram realmente apreendidas por crianças e adolescentes privilegiados que tinham sido tratados desde o berço com respeito reverencial, inclusivamente por parte das pessoas da mais alta e antiga nobreza. Dona Joana chegara a Portugal num período em que a irmã dona Catarina, piedosa e estudiosa por natureza, segundo todas as fontes, já recebia aulas do irmão da sua aia, Afonso Nogueira. Este sacerdote estava empenhado em levar adiante uma obra religiosa e assistencial no antigo convento e hospital de Santo Elói, situado muito perto do paço de São Bartolomeu (foi fundado em 1286 e Afonso Nogueira seria uma espécie de refundador, depois de ter participado na criação de uma comunidade religiosa dos cónegos seculares de S. Salvador de Vilar, instalados no mosteiro de Vilar de Frades, Barcelos, os futuros loios ou padres azuis, pela cor do seu hábito, que se tinham proposto acabar com o clima de lassidão moral vivido em muitas casas religiosas fundadas por nobres e prestar um serviço espiritual, e também médico, aos fiéis). O clérigo, graças à relação das suas irmãs com as infantas e sobretudo à influência que exerceria sobre dona Catarina, veria muito beneficiada a sua carreira eclesiástica, a ponto de anos mais tarde ser eleito arcebispo de Lisboa.
A infanta também começara a receber aulas de latim, e possivelmente de outras disciplinas, dadas por Jorge Martins, posteriormente apelidado da Costa, outro clérigo chamado a ocupar a cadeira arcebispal de Lisboa e que, provavelmente, ensinou a dona Joana as primeiras noções de latim, uma vez que existem provas de que ela conhecia correctamente esse idioma, ainda que não tão bem como dona Catarina que, com a ajuda do arcebispo Jorge, chegaria a traduzir alguns textos religiosos para português. É provável que tivesse sido também este clérigo, de nascimento humilde, mas de elevado intelecto, o designado para ensinar a dona Joana outras matérias mais especializadas, como história, genealogia e história sagrada, que então faziam parte do ensino das mulheres da elite. O conteúdo de todas estas matérias variara, na verdade, muito pouco desde a Antiguidade, e era geralmente transmitido por meio do estudo de esboços biográficos (espelhos) e biografias, nas quais as princesas e infantas encontravam traçadas, através das vivências de mulheres destacadas da história, rainhas, santas e heroínas, linhas de conduta que respondiam a um modelo feminino baseado na doutrina cristã estabelecida pelo apóstolo São Paulo e por São Jerónimo». In A Rainha Adúltera, Joana de Portugal e o Enigma da Excelente Senhora, Crónica de uma difamação anunciada, Marsilio Cassotti, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-405-5.

Cortesia da EdosLivros/JDACT