História e Proposta Interpretativa
«(…) Para
outros é contemporâneo do Infante Henrique. Por último, Alberto Iria dá-o como
provável do reinado de Fernando, chegando a atribuí-lo ao seu mestre de pedraria e vedor de obras João Garcia Toledo
baseando-se numas iniciais encontradas na mísula
esquerda do primeiro arco. Adianta a possibilidade de ter sido mandada construir
por algum rico lavrador ou armador de pesca que se tivesse
libertado, assim como sua mulher e filho (baseando-se na chave da abóbada com
três rostos), do cativeiro sofrido às mãos dos mouros. São imensas as
referências a esta ermida durante o longo período em que o Infante Henrique
permaneceu na região, nela ouvindo missa e recolhendo-se, sem que nunca se
afirmasse ter ele estado ligado à sua fundação. Pela observação da obra e
comparando-a com o que se fazia no País, em plena época gótica, parece
impensável ter, este pequeno e retirado templo, as suas raízes nesse período e,
ainda menos, que o Infante, Senhor tão poderoso, fosse o seu doador. No entanto
não se exclui a sua intervenção, patrocinando alguma campanha de beneficiação
ou restauro (em algumas nervuras e pormenores decorativos, de carácter
aparentemente vegetalista, que se encontram no limite da chanfradura das
aduelas de fecho dos arcos diafragma, assim como as pequenas volutas de remate
da chanfradura dos saiméis dos referidos arcos e do triunfal, manifestam uma
finura de execução que não tem correspondência nos outros elementos decorativos
já descritos). Pelo já exposto, poder-se-á considerar os meados do século XIV
como ponto de partida para o seu possível surgimento. Após observação atenta de
todos os elementos, tanto decorativos como arquitectónicos, apenas a cobertura
da capela-mor corresponde a uma característica do estilo gótico. Tudo o resto
nos leva a um românico sem tradição local, mas que, no passado, no Norte do
País, tinha proliferado, assimilando nas suas formas decorativas, muitas
persistências de fonte pré e protohistórica, que tinham permanecido como invariáveis
culturais. Foi esta singela ermida que, pelo seu conjunto, nos obrigou a
recuar cronologicamente na época inicialmente proposta para o nosso estudo. A
predominância da corda (mais tarde recuperada pelos escultores manuelinos),
elemento decorativo de grande predilecção dos celtas, surge aqui em profusão. A
cruz de braços iguais, inscrita, representada, no Norte, em várias igrejas
românicas (como Santa Eulália de Arnoso); na própria Sé de Braga, no portal
sul, etc., temo-la aqui, no óculo da fachada principal. As formas circulares,
(ancestralmente ligadas ao culto solar) (encontramos aqui o que o autor designa
por a arbre geneologique des signes
solaires. Reunindo os principais derivados da roda: círculos,
cruzes, estrelas, suásticas curvilíneas e rectilíneas, espirais, sinais em S. Tendo sido quase todos utilizados
como representação do Sol, desde a Idade do Bronze. O símbolo com o número 15,
é bem a esquematização do elemento decorativo presente tanto na chave como no
capitel de Nossa Senhora de Guadalupe), umas de eixos oblíquos como o da chave
da abóbada e do capitel e, a outra, simples mas perfeita circunferência, na pia
de água benta, assim como a linha quebrada (a pia de água benta, curioso
exemplar da arte rudimentar de algum ignorado lavrante [...]; é feita de um
calcário rijo; a sua forma é singularíssima e a sua ornamentação constituída
por traços relevados, numa cruz e em arruelas, não destoaria numa ardósia
pré-histórica), rítmica, que debrua a mesma pia, continuam o rol de elementos
queridos aos celtas, retomados pelos homens do românico. Esses celtas que não
foram exclusivos do Norte e, bem pelo contrário, tiveram implantação e
permanência no Sul, precisamente nesta região. Parece reforçar esta linha de
pensamento, da sobrevivência de formas, o grande gosto por esses rostos que
proliferam, ora nos ângulos diedros dos capitéis, ora na chave da abóbada, ora
no próprio portal principal. Pela sua configuração e queixo exageradamente
desenvolvido, são ainda a do capitel sul, do arco triunfal e um dos da chave,
que mais se aproximam do esquema que deles faz Saxl e Wittkower, em obra comum.
Os outros rostos parecem, igualmente, poder entrar na comparação com
reproduções encontradas (Algumas figuras reproduzem portais de igrejas numa
fase já adiantada da arte celta, mas onde são visíveis as tendências
pré-históricas e em que esses rostos aparecem em capitéis, aduelas e mesmo como
chave de arquivolta; não deixa de ser curiosa uma ilustração, que reproduz um
capitel de Inchagolle, onde aparece um rosto com uma corrente na boca; seria um
modelo perfeito para os escultores manuelinos aplicarem, e, possivelmente,
falar-se-ia na representação de um escravo a ferros). As próprias chaves da
abóbada que, pela irregularidade dos seus contornos, mais sugerem pedras
recuperadas, não deixam de lembrar os discos de barro, da arte da primeira
idade do ferro, onde os elementos se amalgamavam, tendo, como fim mágico,
afastar possíveis malefícios. Aqui talvez desempenhem função de ex-votos, em
especial a que contém os rostos (Se se confirmasse a hipótese levantada por
Alberto Iria, quando o autor fala sobre a construção da ermida, querendo ver,
nessa chave, a representação dos três elementos de uma família, que teria
escapado ao cativeiro às mãos de mouros e, pelo facto, erigindo o templo em
acção de graças. Mesmo a cabeça de bovino representa uma tradição, tanto na
arte celta como, mais tarde, na românica, embora o milagre de Guadalupe, ao
torná-lo protagonista, justificasse a sua presença». In Ana Maria Passos Parente, Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe na
Raposeira, Excerto da dissertação de Mestrado de História da Arte, Escultura Figurativa na Arquitectura
Religiosa do Algarve, na Baixa Idade Média, Lisboa, Universidade Nova de
Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, 1987, Revista Medievalista,
director Luís Krus, Ano 1, Nº 1, Instituto de Estudos Medievais, FCSH-UNL, FCT,
2005, ISSN 1646-740X.
Cortesia de
RMedievalista/JDACT
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