sexta-feira, 4 de outubro de 2013

A Fonte das Bicas. Centro de Estudos Documentais do Alentejo. João Miguel Simões. «Após se ter decidido fazer a nova fonte, surgiu a questão onde a situar. A localização da Fonte dos Finados esteve envolta em polémica. Ao que parece, alguns membros da Câmara decidiram localizar a Fonte dos Finados em frente à Igreja Matriz»

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A importância da água na vila de Borba e os antecedentes da Fonte das Bicas
«(…) Talvez devido a esta grande utilização, decidiu a Câmara, em 1712, fazer uma grande fonte em frente à Igreja Matriz, aplicando o dinheiro régio destinado a obras públicas: nesta se axustou que das sobras do património rial, dinheiro que ficou para as obras útis do povo se dispendese em huma fonte por não haver nenhuma no povo capas do uso comum e ser a obra mais nesesária para o povo. Contudo, o dinheiro régio não era suficiente para o intento, e, como o povo e nobreza da vila de Borba viam os governantes do concelho a desistirem da referida obra, aprovaram vender bens da Câmara e aplicar esse dinheiro na fonte: e porquanto o dinheiro deputado para as [o]bras públicas e não somente sento e trinta mil réis e como este se não podia fazer a obra ymtentada constando a nobreza e mais povo vendo que o juis e Vereadores e porcurador do Conselho se não detriminaráo a fazer a obra por não terem dinheiro suficiente, vierão à câmara e requereram ao juis e vereadores e porcurador do conselho que pella obra ser a de mais utillidade e ne[se]sidade se mandou fazer a dita fonte por ser notório estarem as mesmas fontes servindo de xafarizes para as cavalgaduras e com o comtínuo alogamento da soldadesca servirem de llavadouros com muito grande dano e perjuizo da saúde e lenpeza do povo. E que visto não terem mais dinheiro por cauza de os vereadores pasados terem gasto sento e des mil réis das sobras do património que estava para obras uteis e somente lhe ficar os ditos sento e trinta mil réis, pouco mais ou menos, requerião se mandase fazer a dita obra gastando o que mais nesesário for dos bens de raís como dinheiro que hé do mesmo povo.

Após se ter decidido fazer a nova fonte, surgiu a questão onde a situar. A localização da Fonte dos Finados esteve envolta em polémica, na época, e originou acesas discussões entre os membros da vereação. Ao que parece, alguns membros da Câmara decidiram localizar a Fonte dos Finados em frente à Igreja Matriz, iniciando a sua construção, sem levar a questão a sessão de Câmara. O vereador Agostinho Gusmão Pais manifestou o seu desagrado por não lhe terem pedido a opinião, afirmando que o lugar escolhido não era o ideal, pois não servia os interesses da população: e pedindo o votto do vereador Agustinho Gusmão Pais dise que por este termo não ser feito antes de se prinsipiar a fonte, tenpo em que se devia fazer, por que se aporveitase com boa diresão os bens do conselho e as couzas pertensentes a elle porquanto se prencipiou a obra e se fes dispendio sem lhe pedirem o seu voto. E porque o povo a não aseita bem por não ser de utillidade no sítio em que se perasepiou (sic) não votava nem aseitava.
De facto, a Igreja Matriz encontrava-se afastada do centro urbano e da área habitacional, mas o objectivo subjacente à escolha do local deveria residir na vontade em servir os viajantes que se deslocavam a Elvas, Vila Viçosa ou Santa Bárbara. Esta localização era defendida pelo juiz de fora, João Silva Carvalho, pelo vereador, Francisco Abreu Sande, e pelo procurador do concelho que afirmavam ser mais conveniente instalar a fonte em frente à igreja. Estes homens intimaram o vereador descontente a, se o desejasse, tomar por sua conta a obra da fonte: requerião e ademostavão a elle vereador Agustinho Gusmão Pais que por ivitrar discórdias que elles não querem que, ou thomase a obra da fonte sobre si e a mandase fazer por oficiais que lhe paresese com o dinheiro que o conselho tem, que são os ditos sento e trinta mil réis declarados no termo atras, buscando no povo quem comcorese para u suplimento, vistos os asinados no termo não estarem pello seu voto nem a mais vereasão.
Contudo, se assim o quisesse, teria de fazer a fonte de acordo com o projecto previamente definido: e que querendo assim a dita obra portestão e de juis e vereador e porcurador do conselho seiya na forma em que elles a querem fazer: xafaris da fonte de pedra mármore, quatro bicas como as da fonte de Villa Visoza, de guros de pedra mármore, lageado da mesma pedra mármore, cano perdurável sem altarar a ágoa da fonte do nasimento adonde está, secando o lago com altura d'ágoa que senper teve, de tal sorte que se lhe não demenua do lago couza alguma da ágoa que senper teve.
Desta forma, obtemos uma descrição do projecto inicial da desaparecida Fonte dos Finados, baseada na fonte concelhia de Vila Viçosa. Há também a referência à existência de um lago nas proximidades, certamente o lago ligado à lenda da fundação de Borba (a lenda da fundação da vila é um conto medieval que tentou explicar a origem da palavra Borba. Segundo esta lenda, os primeiros povoadores encontraram um enorme barbo num lago existente onde hoje se encontra a vila, originando a palavra barbo o nome de Borba). Caso o vereador não assumisse a obra como desejava, obrigavam os restantes membros da câmara a que este se afastasse da referida obra: e portestam outrosim de que não se fazendo na forma declarada lhe não porxidicar a elle juis, vereador e porcurador do conselho ou os deixe fazer a sua obra na forma em que a tem deliniado em pas pasefica sem turbasão alguma». In João Miguel Simões, A Fonte das Bicas, Centro de Estudos Documentais do Alentejo, Edições Colibri e CEDA, Lisboa, 2002, ISBN 972-772-344-6.

A amizade de AMG

Cortesia de Colibri/JDACT