Tédio
Não vivo, mal vegeto, duro apenas,
vazio dos sentidos porque existo;
não tenho infelizmente sequer penas
e o meu mal é ser (alheio Cristo)
nestas horas doridas e serenas
completamente consciente disto.
Não sei o quê desgosta
a minha alma doente.
Uma dor suposta
dói-me realmente
Como um barco absorto
em se naufragar
à vista do porto
e num calmo mar,
por meu ser me afundo,
p’ra longe da vista
durmo o incerto mundo.
Eis-me em mim absorto
sem o conhecer
bóio no mar morto
do meu próprio ser.
Sinto-me pesar
no meu sentir-me água...
Eis-me a balancear
minha vida-mágoa.
Barco sem ter velas...
De quilha virada...
O céu com estrelas
é frio como espada.
E eu sou vento e céu...
Sou o barco e o mar...
Só que não sou eu...
Quero-o ignorar.
Poema de Fernando Pessoa, in
‘Novas Poesias Inéditas’
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