sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Viagem ao Fundo das Consciências. A Escravatura na Época Moderna. Maria do Rosário Pimentel. «Desde 1317 que os documento acusavam a existência de homens da cossaria do mar e de vassallos corsairos, cujo campo de acção se centrava na costa marroquina»

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O Tráfico de Escravos na Época Moderna. A pouca originalidade do tráfico
«(…) Quando os recontros entre cristãos e muçulmanos começaram a decrescer, a pirataria intensificou-se, alimentando por este processo parte do comércio de escravos existente no mundo mediterrânico. Nos finais do século XII, a sua acção chegava às costas da Galiza, o que levou o bispo de Santiago a construir à sua custa embarcações destinadas a vigiar a orla marítima e a perseguir os piratas. Por volta de 1300, os corsários do Magrebe, com navios armados nos arsenais de Ceuta, Tânger e Arzila, assim como os piratas do reino de Granada concentrados em Málaga e Almeria, atacavam sem cessar as costas de Múrcia, Valência, Catalunha e ilhas Baleares. Para fazer face a este perigo, em 1316, o rei Sanches de Maiorca viu-se na necessidade de destinar uma frota unicamente para a protecção das ilhas. Em 1377, Juan Hulta de Valência atacou uma barca em Gibraltar, capturando 11 indivíduos que de seguida vendeu em Portugal. Um outro corsário, no ano de 1383, veio também vender em Tavira, os indivíduos que aprisionara a bordo de uma embarcação granadina.
A pirataria portuguesa, a partir de meados do século XIII, dirigia-se em especial para o norte de África, arquipélago das Canárias e costa de Granada. Em 1337, a sua acção estendia-se também ao longo da costa andaluza. Posteriormente, foi dada preferência aos litorais saariano e guineense. Desde 1317 que os documento acusavam a existência de homens da cossaria do mar e de vassallos corsairos, cujo campo de acção se centrava na costa marroquina. Ainda neste mesmo ano, o rei Dinis I autorizava o almirante genovês Manuel Pesagno, contratado para tomar conta da esquadra portuguesa, a usar os seus barcos em actividades de corso, reservando para a coroa o privilégio da compra dos cativos que desejasse, ao preço de 100 libras por cabeça.
Afonso IV, numa carta ao papa Clemente VI, afirmava terem sido realizadas durante o seu reinado algumas expedições às Canárias onde, pela força, foram aprisionados alguns naturais. Gomes Eanes de Zurara referia-se a Gonçalo Pacheco como homem de grande casa e que sempre trazia navios no mar contra os inimigos e, a Mafaldo, como homem que andara muitas vezes no tráfego dos Mouros. Noutro capítulo da Crónica do descobrimento e conquista de Guiné, ao narrar o insucesso das expedições que não conseguiram passar o Bojador, dizia que uns se dirigiam sobre a costa de Granada, outros corriam por o mar de Levante, até que filhavam grossas presas de infiéis, com que se tornavam honradamente para o reino. Zurara deu ainda a conhecer o aprisionamento de uma barca, feito pelos portugueses em 1425, à vista de Larache, onde tomaram 53 mouros e 3 mouras negras.
A tomada de Ceuta em 1415 e as sucessivas campanhas no norte de África vieram dar ainda mais incremento a esta fonte de escravidão. Para além da habitual guarnição das praças, encontravam-se ali, permanentemente, forças navais destinadas afazer prisioneiros. Os cativos, resultantes das expedições, eram utilizados como escravos ou exportados nessa condição e com frequência serviam também de moeda de troca nos resgates. Havia mesmo uma instituição especificamente encarregada das negociações que envolviam trocas de cativos, os alfaqueques.
Paralelamente a este comércio irregular, fornecido pela guerra e pela pirataria, desenvolveu-se um outro durante o século XIII, principalmente entre 1270-1280. Com a instalação dos genoveses junto aos rios do Mar Negro, logo seguida da dos venezianos, surgiu no Mediterrâneo um tráfico organizado, em que o escravo aparecia já como objecto de comércio, independentemente de ser ou não um inimigo capturado. Esta transação era sustentada nas paragens africanas e orientais por uma estrutura mercantil bastante adiantada, que incluía um desenvolvido tráfico humano feito por agentes locais, chefes de tribos ou de reinos e uma vasta rede de intermediários árabes que, sobretudo após o século XI, penetraram nas regiões ao sul do Saara e, entre outros produtos, canalizavam os escravos até ao Mediterrâneo. Constituíam uma forte rede comercial, cujo controle permitiu a formação de grandes impérios sudaneses. Também da costa leste de África se registava intenso tráfico para vários portos do Índico». In Maria do Rosário Pimentel, Viagem ao Fundo das Consciências, A Escravatura na Época Moderna, Faculdade de Letras de Lisboa, Edições Colibri, Lisboa, 1995, ISBN 972-8047-75-4.

Cortesia de Colibri/JDACT