Portugal e a nova relação de forças no Atlântico. Um plano estratégico
naval conjunto, Portugal e Marrocos?
«(…) Mas Bülow não se contentava apenas com a posse da Baía dos Tigres,
e um mês antes do telegrama de Pindela para Lisboa, revelava de novo,
como já se vira em 1899, que a
questão das colónias portuguesas tinha uma amplidão mais vasta. Esta seria um
ponto de partida para negociar com os ingleses, não só a obtenção de portos ou
baías estratégicas das colónias portuguesas, de que os alemães tanto careciam nas
suas próprias colónias, como para negociar a questão de Marrocos. Portugal e
Marrocos eram duas questões que, provavelmente, fariam parte do mesmo projecto
naval alemão. Isso parece estar claro num telegrama de Bülow a Hatzfeldt, de
Junho de 1900. Após pedir a Hatzfeldt
para sondar a nível informal o governo inglês de como se poderia concretizar o
acordo anglo-alemão sobre as colónias portuguesas, diz:
Por conseguinte, nós não ficaríamos
satisfeitos com a posse da Baía dos Tigres enquanto que a Inglaterra reivindica
para si a exclusividade de Lourenço Marques. (...) O que nós visamos é a
execução do conteúdo de todo o Tratado [sobre as colónias portuguesas]. (...) Se
se manifesta nesta relação uma disposição amigável, então proporciona-se talvez
um ponto de partida para abordar a questão marroquina e esboçar a ideia que a
mesma questão [possa levar] ao concluir de um tratado preventivo, diria eu, tão
específico como o das colónias portuguesas.
É possível que os alemães soubessem muito bem que os ingleses não tinham
interesse na execução do acordo secreto anglo-alemão, e que muito
provavelmente tudo fariam para que tal não se concretizasse, mas utilizavam
essa exigência para levar os ingleses a cederem em pontos que lhes eram
importantes, como no caso de bases marítimas, que lhes seriam fundamentais. Se
para Bülow o acordo anglo-alemão secreto sobre as Colónias Portuguesas e
a questão marroquina eram duas questões distintas, elas estavam a ser encaradas
como partes de um mesmo projecto a ser negociado com os ingleses. Apesar da convenção
secreta anglo-alemã ter sido assinada a 30 de Agosto de 1898, uma parte do Gabinete inglês via
com maus olhos uma aproximação anglo-alemã à custa de Portugal assim como de
Marrocos. Se Chamberlain estava convencido que esta permitiria impedir ou
atenuar a construção da frota alemã, Salisbury, pelo contrário, era relutante a
acordos com a Alemanha, e faria aliás todo o possível para que um empréstimo conjunto
com a Alemanha a Portugal não se concretizasse, estimulando a obtenção de um
crédito em França, independente do acordo anglo-alemão. Salisbury apenas
temia o controlo financeiro francês em Portugal e a inclusão das receitas das
alfândegas dos Açores nas garantias dum empréstimo. Um ofício do visconde de
Pindela, de 10 de Novembro de 1898, parece
reflectir esta apreensão:
(...) A Inglaterra receia que por
ele [o empréstimo] a França e a Alemanha restringissem a influência e a acção
tradicional da Inglaterra em Portugal.
Tanto em relação a um empréstimo a Portugal como na questão marroquina,
Salisbury parecia mostrar uma tendência para entender-se antes com a França. Em
1900, Bülow, em ofício a Hatzfeldt,
revelava aliás as suas apreensões sobre a preferência de Salisbury em negociar
com os Franceses sobre Marrocos, mas parecia-lhe, todavia, que os ingleses
terminariam por entender-se com os Alemães: (...)
Tânger não é de modo nenhum insignificante para a Alemanha mas não é tão
importante como para a França. Daí ser maris barato para a Inglaterra obter um
entendimento sobre Tânger com a Alemanha do que com a França. Num ofício de
Abril de 1900, de Bülow ao príncipe
de Münster, o embaixador alemão em Paris, o ainda secretário de Estado do Auswärtiges Amt, revelava o quanto
significava para o Império Alemão a área marítima da costa marroquina, isto
quando saíra de Argel uma grande expedição francesa para ocupar os Oásis do sul
de Oran até Tuat em Marrocos: (...)
Marrocos, que constitui um dos centros nevrálgicos do nosso corpo terreno,
poderia facilmente ser tomado em consideração para os próprios interesses
marítimos da Alemanha. Note-se que não muito longe desta importante área
marítima se encontravam as ilhas das Canárias e da Madeira!» In
Gisela Medina Guevara, As Relações Luso-Alemãs antes da I Guerra Mundial, A
Questão da Concessão dos Sanatórios da ilha da Madeira, Faculdade de Letras de
Lisboa, Edições Colibri, Lisboa, 1997, ISBN 972-8288-70-0.
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