domingo, 13 de outubro de 2013

As Relações Luso-Alemãs antes da I Guerra Mundial. Gisela Medina Guevara. «Por conseguinte, nós não ficaríamos satisfeitos com a posse da Baía dos Tigres enquanto que a Inglaterra reivindica para si a exclusividade de Lourenço Marques. (...) é a execução do Tratado [sobre as colónias portuguesas]»

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Portugal e a nova relação de forças no Atlântico. Um plano estratégico naval conjunto, Portugal e Marrocos?
«(…) Mas Bülow não se contentava apenas com a posse da Baía dos Tigres, e um mês antes do telegrama de Pindela para Lisboa, revelava de novo, como já se vira em 1899, que a questão das colónias portuguesas tinha uma amplidão mais vasta. Esta seria um ponto de partida para negociar com os ingleses, não só a obtenção de portos ou baías estratégicas das colónias portuguesas, de que os alemães tanto careciam nas suas próprias colónias, como para negociar a questão de Marrocos. Portugal e Marrocos eram duas questões que, provavelmente, fariam parte do mesmo projecto naval alemão. Isso parece estar claro num telegrama de Bülow a Hatzfeldt, de Junho de 1900. Após pedir a Hatzfeldt para sondar a nível informal o governo inglês de como se poderia concretizar o acordo anglo-alemão sobre as colónias portuguesas, diz:

Por conseguinte, nós não ficaríamos satisfeitos com a posse da Baía dos Tigres enquanto que a Inglaterra reivindica para si a exclusividade de Lourenço Marques. (...) O que nós visamos é a execução do conteúdo de todo o Tratado [sobre as colónias portuguesas]. (...) Se se manifesta nesta relação uma disposição amigável, então proporciona-se talvez um ponto de partida para abordar a questão marroquina e esboçar a ideia que a mesma questão [possa levar] ao concluir de um tratado preventivo, diria eu, tão específico como o das colónias portuguesas.

É possível que os alemães soubessem muito bem que os ingleses não tinham interesse na execução do acordo secreto anglo-alemão, e que muito provavelmente tudo fariam para que tal não se concretizasse, mas utilizavam essa exigência para levar os ingleses a cederem em pontos que lhes eram importantes, como no caso de bases marítimas, que lhes seriam fundamentais. Se para Bülow o acordo anglo-alemão secreto sobre as Colónias Portuguesas e a questão marroquina eram duas questões distintas, elas estavam a ser encaradas como partes de um mesmo projecto a ser negociado com os ingleses. Apesar da convenção secreta anglo-alemã ter sido assinada a 30 de Agosto de 1898, uma parte do Gabinete inglês via com maus olhos uma aproximação anglo-alemã à custa de Portugal assim como de Marrocos. Se Chamberlain estava convencido que esta permitiria impedir ou atenuar a construção da frota alemã, Salisbury, pelo contrário, era relutante a acordos com a Alemanha, e faria aliás todo o possível para que um empréstimo conjunto com a Alemanha a Portugal não se concretizasse, estimulando a obtenção de um crédito em França, independente do acordo anglo-alemão. Salisbury apenas temia o controlo financeiro francês em Portugal e a inclusão das receitas das alfândegas dos Açores nas garantias dum empréstimo. Um ofício do visconde de Pindela, de 10 de Novembro de 1898, parece reflectir esta apreensão:

(...) A Inglaterra receia que por ele [o empréstimo] a França e a Alemanha restringissem a influência e a acção tradicional da Inglaterra em Portugal.

Tanto em relação a um empréstimo a Portugal como na questão marroquina, Salisbury parecia mostrar uma tendência para entender-se antes com a França. Em 1900, Bülow, em ofício a Hatzfeldt, revelava aliás as suas apreensões sobre a preferência de Salisbury em negociar com os Franceses sobre Marrocos, mas parecia-lhe, todavia, que os ingleses terminariam por entender-se com os Alemães: (...) Tânger não é de modo nenhum insignificante para a Alemanha mas não é tão importante como para a França. Daí ser maris barato para a Inglaterra obter um entendimento sobre Tânger com a Alemanha do que com a França. Num ofício de Abril de 1900, de Bülow ao príncipe de Münster, o embaixador alemão em Paris, o ainda secretário de Estado do Auswärtiges Amt, revelava o quanto significava para o Império Alemão a área marítima da costa marroquina, isto quando saíra de Argel uma grande expedição francesa para ocupar os Oásis do sul de Oran até Tuat em Marrocos: (...) Marrocos, que constitui um dos centros nevrálgicos do nosso corpo terreno, poderia facilmente ser tomado em consideração para os próprios interesses marítimos da Alemanha. Note-se que não muito longe desta importante área marítima se encontravam as ilhas das Canárias e da Madeira!» In Gisela Medina Guevara, As Relações Luso-Alemãs antes da I Guerra Mundial, A Questão da Concessão dos Sanatórios da ilha da Madeira, Faculdade de Letras de Lisboa, Edições Colibri, Lisboa, 1997, ISBN 972-8288-70-0.

Cortesia Colibri/JDACT