As canas nos testemunhos de Martin Behaim e Jerónimo Münzer
«(…) De realçar que esta ambiciosa iniciativa privada de exploração
ocidental na prática tinha subjacente as ideias de Toscanelli, ainda que
nela não se fale nas Índias, sendo financiada e efectuada pelos proponentes com
autorização de João II. Este tinha no mesmo ano de 1487 enviado a7 de Maio Pêro Covilhã e Afonso Paiva para o Levante,
em busca do Preste João e das Índias, e em Agosto de 1487 Bartolomeu Dias por mar, para encontrar a passagem que pelo sul
de África permitisse aos navios Portugueses a tão desejada entrada no Índico. O
monarca português apostou assim em l487
numa exploração multidirecional, de que só logrou resultados na viagem de
Bartolomeu Dias. É admissível a hipótese de Behaim ainda se ter podido
encontrar com Colombo em Portugal antes deste ter deixado o nosso país em 1485 e de com ele ter trocado opiniões
sobre a tese de Toscanelli, pois ambos a defenderam, apesar de tal encontro
não ter ficado documentado. O que sabemos ao certo é que Behaim viu as
mesmas canas que tanto interessaram Colombo pois sobre elas falou na Alemanha,
para onde foi na primavera de 1490
tratar de assuntos familiares e onde ficou até pouco depois de 14 de Julho de 1493, data da cartta de Jerónimo Münzer
que trouxe consigo para João II, na qual contava com o apoio do imperador
Maximiliano para a realização do seu projecto de ir ao Catai pelo ocidente.
Enquanto permaneceu em Nuremberga Behaim dirigiu em 1492 a construção de um famoso globo (Erdapfel) montado por Ruprecht
Kolberger, para o qual forneceu informações e um mapa mundo destinado a melhor
visualizar a forma da Terra de acordo com a teoria de Toscanelli. O
conselho da cidade de Munique pagou a Behaim um florim de ouro e três
libras pelo referido mapa, sendo legítimo supor que Behaim tenha preparado esse
mapa e o globo tendo em conta as palavras de Toscanelli ao referir que ego
autem quamvis cognoscam psse hoc ostendi per formam spericam…[…], isto é, eu, ainda que saiba que isso se pode mostrar
por uma representação esférica, tal como é o mundo, contudo, para facilitar a
compreensão e também para aliviar o trabalho de ensinar esse caminho, decidi-me
a declará-lo da forma como se fazem as cartas de marear. Behaim recorreu à
estratégia de fazer um globo para assim facilitar a compreensão das suas noções
geográficas junto dos alemães de forma a poder receber apoio para realizar a
sua desejada viagem para ocidente, a qual não lhe fora viabilizada por João II.
Behaim acabou por receber o apoio e a influência do poder político expresso por
Maximiliano, que em breve seria imperador alemão, pois sabemos que este governante,
além de em 1493 ter apoiado a
iniciativa de Behaim junto de João II, no mesmo ano e por sua mediação conseguiu
que o enviado português Diogo Fernandes Correia se dirigisse aos Fugger e aos
Gossembrot para que estes subsidiassem uma viagem ao Catai. As duas casas
comerciais de Augsburgo estiveram dispostas a contribuir para essa missão com
uma soma de 100 florins (gulden),
apoio que não teria sequência devido à viagem para ocidente ter entretanto sido
realizada com sucesso por Colombo.
Para fazer o seu globo Behaim recorreu a várias fontes, de entre as
quais a principal foi por certo uma cópia do mapa de Toscanelli, pois as
medidas nele adoptadas, tal como foram registadas na carta que o acompanhava,
aproximam-se das que estão expressas no globo.
Enquanto Behaim procedia em Nuremberga entre 1490 e 1493 a diligências
no sentido de obter apoios para fazer uma viagem para ocidente, Colombo
diligenciou no mesmo sentido em Castela junto dos Reis Católicos. Entretanto
João II entre 1489 e 1492 não realizou qualquer iniciativa para fazer avançar
os Descobrimentos, nem para Oriente nem para Ocidente. Behaim voltou a Portugal
com a citada carta datada de Nuremberga a 14 de Julho de 1493 que havia sido dirigida a João II por Jerónimo Münzer (cerca 1460-1508),
também chamado Jerónimo Monetario,
pois assinava Hironymus Monetarius.
Este documento é conhecido através de uma cópia latina parcial do original que
foi copiada por Hartmann Schedel na Alemanha, tendo ficado manuscrita, enquanto
a sua versão portuguesa integral foi feita por mestre Álvaro da Torre, pregador
de João II, e impressa em data incerta no chamado Guia náutico de Munique.
No texto da carta manifesta-se o apoio de Maximiliano a uma expedição dirigida
por Behaim tendo em vista a ida ao Oriente por via ocidental e não revelando
qualquer elemento que indiciasse que em Nuremberga houvesse conhecimento de o
projecto em causa ter acabado de ser concretizado por Colombo e por ele
anunciado em Lisboa quando aí chegou a 4 de Março de 1493». In José Manuel Garcia, D. João II vs Colombo, Duas Estratégias
divergentes na busca das Índias, Quidnovi, 2012, Vila do Conde, ISBN
978-989-554-912-2.
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