As Antepassadas Portucalenses (783-1014)
«(…) Aragonta acabou, pois, por casar com o tio em finais de 922. Mas alguma coisa deve ter acontecido
entre marido e mulher, porque no início de 923
Ordoño II decidiu repudiá-la, aduzindo o seu parentesco próximo, desculpa que
costumava ser alegada naqueles tempos quando um monarca desejava contrair novas
núpcias. Na prática, a Igreja ainda não tinha alcançado o poder de impedir tais
comportamentos. Já no século IV, tinha sido proibida até ao sétimo grau a
consanguinidade dos matrimónios, incluindo a realeza, mas agora, na Península,
isso só parecia ser preocupação de alguns abades, um dos quais denunciaria que
esse tipo de uniões estava condenado no
Antigo Testamento, nos profetas, nos apóstolos e nos Santos Padres, mas
ninguém parecia dar-lhe ouvidos. Depois do repúdio, Aragonta acabou num
mosteiro fundado por ela perto de Tuy, onde a família da mãe tinha
propriedades. É muito possível que Teresa de Portugal também se
baseasse nesses precedentes, quando, em 1120
cruzou o Minho e reivindicou certos direitos a essas terras galegas. Curiosamente,
dois primos direitos de Aragonta Gonçalves acabariam por atravessar o Minho
no sentido inverso. Um para professar no mosteiro de Guimarães, fundado pela
tua, a condessa Mumadona, e outro no mosteiro de Arouca. Naquela
altura, o rio não devia constituir nenhum muro divisório entre as aristocracias
que viviam de um ou outro lado; de facto, estavam tão estreitamente aparentadas
que muitos historiadores espanhóis se referem a elas como se de um mesmo grupo
social se tratasse, denominando-as nobreza galaico-portuguesa.
Conta-se que, tendo-se arrependido Ordoño da separação de Aragonta,
quis voltar para ela. Mas desta vez a esposa repudiada disse que não. E nem
mesmo um rei podia tirar uma freira do convento sem incorrer num sério problema
com as autoridades eclesiásticas. Ordoño acabou por se convencer, e em breve
casou de novo, pela terceira vez. Fê-lo antes de concluído o ano de 923, com a infanta Urraca, irmã do rei
de Navarra, o que leva a pensar que o verdadeiro motivo do repúdio de Aragonta
fosse político. O seu matrimónio com Urraca procuraria dar segurança ao flanco
oriental do seu reino, limítrofe com o navarro do irmão da sua nova mulher, que
tinha a capital em Pamplona e que dominava uma ampla zona dos Pirenéus, de indubitável
valor estratégico, uma vez que controlava os passos de França. Uma necessidade
política semelhante tinha obrigado o pai de Ordoño a casar com uma infanta
navarra. O matrimónio dele com alguém da mesma linhagem causaria no reino de
Leão a reafirmação do direito navarro, derivado das antigas tradições vascas,
quanto às leis sobre a herança. Este reconhecia a legitimidade das filhas a herdar
da mesma forma que os varões. Quando eram primogénitas, herdavam a propriedade.
Na linhagem real herdavam a coroa, mas só como transmissoras dos direitos para
os seus filhos varões. Leis parecidas tinham tido os cantábricos e asturianos
que forjaram a primeira monarquia asturiana, um cúmulo de tradições que
influenciariam notavelmente o matrimónio de Teresa
com o conde Henrique de Borgonha.
Morto Ordoño II de Leão em 924,
Ramiro colaborou com o irmão mais velho, já coroado rei de Leão, na tarefa de
domar as aspirações de uns primos pretendentes ao trono. O segundo dos seus irmãos
assumiu a responsabilidade do reino da Galiza. Ramiro, também com carácter
régio, governou a zona entre o Minho e o Mondego, para o que estabeleceu a
capital em Viseu. Nesse mesmo ano casou mas, por ironia do destino, não o fez
com a filha da condessa Mumadona, como ela talvez teria esperado, mas antes
com outra prima de Aragonta Gonçalves, a rainha viúva que então vivia
recolhida no seu convento. A eleita seria a bisavó da bisavó de Teresa
de Portugal. Chamava-se Adosinda Guterres; a mãe, Aldonsa
Mendes, era filha do conde Hermenegildo Guterres, conquistador de Coimbra,
e portanto irmã da falecida rainha Elvira Mendes, pelo que Adosinda e
Ramiro eram primos direitos. Também desta vez não se deu importância ao problema
da consanguinidade existente entre os cônjuges. Na escolha pesaria, além do
mais, quase de certeza, a importância das relações familiares dela. Ramiro
esperava contar com o apoio que a nobreza do sul do Minho tinha oferecido
tradicionalmente aos candidatos ao trono de Leão. Pouco tempo depois de casar, Adosinda
deu-lhe um filho varão». In Marsilio Cassotti, D. Teresa, A Primeira
Rainha de Portugal, Prefácio de G. Oliveira Martins, Attilio Locatelli, A
Esfera dos Livros, 2008, ISBN 978-989-626-119-1.
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