terça-feira, 29 de outubro de 2013

A Rainha Adúltera. Joana de Portugal e o Enigma da Excelente Senhora. Marsilio Cassotti. «… descobrindo assim que a paz aconselhada pelo ‘Magnânimo’ fora fingida. Algo que, com pouca prudência, a rainha comunicou por carta ao conde de Barcelos, explicando-lhe a ‘dissimulação com que se fizera’ o acordo entre ela e o regente»

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«(…) Não é possível saber se os rumores sobre a primeira noite de casados dos jovens príncipes chegaram a Almeirim, onde a rainha Leonor e as suas filhas se encontravam em Setembro de 1440. É possível que algum cortesão tivesse comentado a importância alcançada em Castela pelo primogénito de uma linhagem lusa que tivera um papel muito destacado (por vezes trágico) a respeito dos herdeiros da coroa portuguesa.
Um bisavô de Juan Pacheco fora um dos assassinos de Inês de Castro, além de ter sido quem, em 1373, aconselhou o rei castelhano, bisavô da rainha Leonor a cercar Lisboa pelo lado do Monte Olivete para tentar desgastar a população por falta de abastecimento e fome. Em Outubro de 1440 chegou a Santarém uma comitiva castelhana para protestar contra o tratamento que os cunhados davam à rainha Leonor, e é provável que alguns dos seus membros tenham contado imediatamente aos servidores da rainha, quando a foram saudar, a sua versão sobre o ocorrido na primeira noite de casamento do príncipe Enrique. Provavelmente, D. Leonor, uma mulher para quem os rumores da corte só interessavam quando tinham que ver com questões relacionadas com os seus interesses políticos, não lhes terá dado importância. Sobretudo porque um dos embaixadores acabou por informar o regente de que a missão não vinha por vontade do rei castelhano, mas pela dos infantes de Aragão. Segundo Rui de Pina, o infante Pedro soubera, por meio dos espiões que tinha na casa de Leonor, que os selos de algumas das cartas dos embaixadores castelhanos tinham sido lacrados em Almeirim, descobrindo assim que a paz aconselhada pelo Magnânimo fora fingida. Algo que, com pouca prudência, a rainha comunicou por carta ao conde de Barcelos, explicando-lhe a dissimulação com que se fizera o acordo entre ela e o regente.
O conde de Barcelos aconselhou-a a ir para o Crato porque aí podia contar com a segurança proporcionada pela fortaleza em poder do prior, fiel partidário do falecido rei Duarte. Por outro lado, o conde prometeu que a ajudaria a regressar de lá com o apoio das suas tropas. É possível que a rainha tenha enviado ao Crato como mensageiro um parente do prior e marido de uma castelhana de linhagem Mendoza, que então ocupava o cargo de covilheira da rainha. O certo é que um neto deste casal, o humanista Damião de Góis, guarda-mor da Torre do Tombo em 1548, proporcionaria, através de uma crónica, informações sobre Joana de uma sinceridade rara na sua época e que não aparecem em nenhuma outra crónica. O prior do Crato, homem de idade avançada e grande experiência, respondeu à rainha que punha a fazenda, a honra e a vida ao seu serviço. E, no Outono de 1440, enviou um dos seus filhos naturais, primeiro a Santarém, para dar explicações ao regente, e depois a Almeirim, para beijar a mão da rainha; na realidade, para ajudá-la a preparar a fuga. Membro de uma ordem militar que exigia o celibato, este jovem começaria em Almeirim uma relação sentimental com uma servidora de D. Leonor, da qual nasceria uma filha que viria a ser donzela de Joana em Castela.
No dia estabelecido para a fuga, D. Leonor ordenou que fossem disponibilizados cavalos e apetrechos, dizendo que pensava ir prestar homenagem fúnebre ao seu marido no mosteiro da Batalha. Na noite de 31 de Outubro de 1440,véspera de Todos os Santos, a rainha administrou e recebeu no seu estrado como todas as noites e às nove retirou-se para os aposentos. Uma hora depois, escapava por uma porta secreta da muralha. Com ela fugiam la Infanta Dona Joana de mama, e sua ama que a criava, assim como um pequeno grupo de servidores, homens e mulheres, de provadíssima lealdade. Fazia parte dele o seu escrivão de puridade; a sua covilheira castelhana e uma donzela aragonesa que chegara a Portugal com Leonor quando esta se casou. Também a acompanhavam o capelão-mor da rainha e os seus jovens sobrinhos, futuros oficiais da casa da rainha Joana em Castela, e, evidentemente, Afonso Sequeira, o colaço da infanta. Nos dias seguintes, os servidores de D. Leonor que não tinham sido detidos por ordem do regente Pedro fugiram de Almeirim e reuniram-se com a sua senhora na fortaleza do Crato. Entre eles encontrava-se um jovem escudeiro da fugitiva, pertencente à linhagem de Sousa, que muitos anos mais tarde se converteria no oficial mais importante da casa da sua filha como rainha de Castela.
A rainha fora obrigada a deixar em Almeirim a infanta Leonor, por esta se encontrar doente, e a infanta Catarina. Segundo Rui de Pina, a viúva do rei Duarte enviou, a partir do Crato e para todo o reino, cartas que já levava escritas, nas quais se desculpava por ter tomado esta decisão e acusava o regente de a ter obrigado a fugir. Mas esta justificação teria o efeito contrário ao desejado. Sobretudo nos sectores populares, apoiantes do duque de Coimbra, levando-os a manifestar-se abertamente contra a rainha. De acordo com o mesmo cronista mandou logo o Regente em nome d'El-Rei caminho do Crato Diogo Fernandes d'Almeida, védor da fazenda, pedindo à Rainha, sua madre, com mui brandas razões e mui fortes seguranças que se tornasse, e que elle e os Ynfantes iriam por ella, e se não o quizesse fazer que ao menos entregasse a Ynfanta Dona Joana. Na véspera do Natal de 1440, os infantes de Portugal reuniram-se com os filhos do conde de Barcelos, numa propriedade próxima de Avis, para decidir que medida tomar a respeito de D. Leonor, que não parecia obedecer aos conselhos do seu irmão Alfonso V de Aragão nem aos do papa, que lhe escrevera várias cartas aconselhando-a a ter paciência. Depois de muito debater, acordaram solicitar formalmente à rainha que regressasse às suas terras. Em troca, prometiam-lhe que seria servida e honrada como merecia, por ser mulher e mãe de reis. Caso ela não aceitasse, o Crato seria cercado até ser tomado pela força, respeitando sempre qualquer casa ou torre onde a rainha e a infanta Joana se refugiassem». In A Rainha Adúltera, Joana de Portugal e o Enigma da Excelente Senhora, Crónica de uma difamação anunciada, Marsilio Cassotti, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-405-5.

Cortesia da Esfera dos Livros/JDACT