segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Judaísmo. Os Manuscritos de Qumrah e a Comunidade Judaica do Mar Morto. Conferência. Porto. Geraldo Coelho Dias. «Ficou, porém, atarantado porque a pedra produzira um baque, como se se tivesse partido qualquer objecto de barro. Assustado, juntou o rebanho e partiu…»


Cortesia de wikipedia

Os manuscritos de Qumrah e a Comunidade Judaica do Mar Morto
«Temos a honra e o privilégio de ter entre nós uma curiosa exposição sobre antiquíssimos manuscritos bíblicos e todo o contexto arqueológico em que se encontravam envolvidos. Na verdade, os Documentos de Qumrah, ou Manuscritos do Mar Morto, ou Rolos do Deserto de Judá, já que variados são os nomes para indicar a sensacional descoberta deste conjunto de documentos judaicos, fazem-nos dar o salto qualitativo e cronológico do século X d.C. para o século II a.C., da Idade Média para antes de Jesus Cristo. Na verdade, estes numerosos documentos manuscritos, mais de 800, e inumeráveis e complicados fragmentos, constituem verdadeira biblioteca. Por um lado, apresentam-nos documentos em hebraico, aramaico e grego; por outro lado, dada a importância e antiguidade dos manuscritos bíblicos, põem-nos diante do problema científico da fidelidade e veracidade do texto hebraico massorético, constituído bastante mais tarde; dão-nos ainda a conhecer o quadro ideológico judaico ao tempo do nascimento do Evangelho cristão, isto é, o ambiente vital em que o Cristianismo nasceu. Com os documentos de Qumrah, portanto, é todo um labirinto de problemas a afectar o mundo das ciências bíblicas e das origens do Cristianismo, que veio trazer algumas perturbadoras perguntas sobre a figura de João Baptista, cuja vida e pregação os Evangelhos cristãos situam no Deserto de Judá. Terá ele sido, afinal, um membro desta desaparecida comunidade, possivelmente essénica, que, ao fugir dos romanos aquando da primeira revolta judaica de 66-70, escondeu os seus preciosos manuscritos? O próprio Cristianismo é tocado pela questão do messianismo e pela hipotética identificação do Mestre de Justiça com Jesus Cristo. Terá mesmo Jesus sido influenciado pelas doutrinas dos essénios? Terá Jesus aprendido ou tirado deles alguma coisa?

O acaso da descoberta e a riqueza das pesquisas arqueológicas
Um mero acaso está na origem da mais sensacional e importante descoberta de documentação hebraica. Na Primavera de 1947, um pastor da tribo beduína dos Ta`âmirah, que vagueiam com seus rebanhos ao sabor da transumância entre Belém e o Mar Morto, o Mar do Sal para os hebreus, Yam HaMmelah, encontrava-se quase na embocadura do Wâdi Qumrah, um desses muitos ribeiros secos, que atravessam o deserto de Judá. Estava preocupado e aflito pelo desaparecimento duma cabra. Olhando para a parede rochosa do Wâdi, viu um buraco e atirou uma pedra, porque talvez a cabra tivesse entrado por ali. Ficou, porém, atarantado porque a pedra produzira um baque, como se se tivesse partido qualquer objecto de barro. Assustado, juntou o rebanho e partiu para o acampamento, mas, ainda assim, decido a voltar com um amigo para encontrar resposta àquele ruído estranho. Muhammad ed-Di`b (Maomé o Lobo) voltou no dia seguinte com um primo, e penetraram na gruta. Descobriram, então, uma gruta com pedaços de barro partidos e 8 jarras ou ânforas intactas, 7 das quais vazias, mas dentro da oitava acharam três rolos de couro, que levaram a um antiquário de Belém para vender. Este, pensando que estavam escritas em caracteres siríacos, levou-as a Mar Atanásio, arquimandrita do mosteiro siríaco de S. Marcos de Jerusalém. Era a descoberta em 1947 da gruta nº 1 de Qumrah (1 Q). A notícia da descoberta divulgou-se e outros beduínos começaram a fazer pesquisas por conta própria, de tal modo que em Dezembro de 1947, a Universidade Hebraica de Jerusalém, por meio do arqueólogo judeu Eliezer Sukenik, que tinha intuído a antiguidade dos documentos e a sua ligação aos essénios, comprou um maço de três manuscritos, que hoje se conservam e mostram através de réplicas no Santuário do Livro em Jerusalém.
Entretanto, em Fevereiro de 1948, Mar Atanásio mostrou os 4 rolos da 1 Q à ASOR (American School of Oriental Research) para ver se os seus técnicos podiam decifrar aquela estranha escrita. Contudo, o rebentar da guerra pela independência de Israel, obrigou-o a emigrar para os Estados Unidos, levando consigo os manuscritos, onde, em seguida, por intermédias pessoas, o novo Estado de Israel os comprou por 250 mil dólares. Após o armistício da guerra Palestino-Israelita, em Julho de 1948, com a divisão da Palestina entre Israel e a Jordânia, a parte oriental da Palestina, chamada Cisjordânia, ficou integrada no Reino Hashemita da Jordânia e, logo no começo de 1949, o Departamento de Antiguidades da Jordânia, em colaboração com a École Biblique et Archéologique Française e outras instituições científicas de Jerusalém oriental, empreendeu escavações na região de Qumrah, cujas descobertas arqueológicas, desde 1947 a 1958, foram logo estudadas e publicadas. Quando em 1951 decorria a campanha associada de escavações, os beduínos trouxeram a Jerusalém mais um lote de documentos descobertos um pouco mais abaixo nas grutas de Murabba`ât, que foram datados da 2ª Guerra Judaica, entre 132-135, a revolta de Bar Kokheba (Filho da Estrela) no tempo de imperador Adriano. Há mesmo algumas cartas autografas deste chefe de rebelião, considerado um avatar messiânico ou realização messiânica da profecia de Balaão, segundo o Livro dos Números: Eu vejo, mas não para já; contemplo-o, mas ainda não próximo. Uma estrela surge de Jacob e um ceptro se ergue de Israel.
Em Fevereiro de 1952, os beduínos Ta`âmirah descobriam a 2 Q com fragmentos semelhantes aos da 1 Q. Imediatamente se associaram em pesquisa arqueológica, sob a direcção do Pe. Roland De Vaux, OP, os vários organismos interessados na antiguidade (Direction des Antiquités de Jourdanie, École Biblique et Archéologique Française, American School of Oriental Research, Palestine Museum ou Rockefeller Museum). De facto, passaram a pente fino numa pesquisa arqueológica sistemática toda a região da zona rochosa ou falésia de Qumrah com uma extensão de 8 quilómetros passando por `Ain Fesha, a fonte de água potável da região, até às grutas Murabba´at. Exploraram também o sítio das ruínas das instalações de Qumrah ou antigo mosteiro de Qumrah, possivelmente sede dos essénios». In Geraldo Coelho Dias, Judaísmo, Os Manuscritos de Qumrah e a Comunidade Judaica do Mar Morto. Texto inédito. Conferência no Museu dos Transportes e Comunicações. Porto. Maio de 2005.

Cortesia de MTC do Porto/JDACT