Considerações sobre o Livro I da Pistis Sophia
Livro I
«(…) Quando essa força
luminosa desceu sobre Jesus, sucedeu que, de forma progressiva, ela o envolveu
por completo. Então, ele ergueu-se e foi elevado às alturas, irradiando luz imensurável
e fulgurante. Os discípulos seguiram-no com o olhar, e ninguém falou até ele
alcançar o céu, mas permaneceram em profundo silêncio. Isso aconteceu no décimo
quinto dia da lua, no dia da lua cheia,
no mês de Tybi. Três horas depois de Jesus ter sido elevado ao céu,
todas as forças do céu entraram em grande comoção e se agitaram umas contra as
outras, elas e todos os seus éons e todas as suas regiões e ordens. Toda
a terra, com todos os seus habitantes, foi tomada por grande estremecimento. E
todas as pessoas sobre a terra e também os discípulos entraram em estado de grande
inquietação, e todos pensaram que talvez o mundo estivesse desabando. Todas as
forças do céu continuaram abaladas, elas e o mundo inteiro. Moviam-se umas
contra as outras desde a terceira hora do décimo quinto dia do mês de Tybi até a nona hora do
dia seguinte. E todos os anjos, e seus arcanjos, e todas as potestades das alturas
exaltavam o interior dos interiores, de tal modo que todo o mundo ouvia suas
vozes, ininterruptamente, até a nona hora do dia seguinte. Os discípulos
estavam juntos, aterrorizados e em grande agitação, e temiam muito por causa do
grande terremoto que acontecera, e choravam, e diziam uns aos outros: O que irá acontecer? Destruirá o Salvador
todas as regiões?
Enquanto eles assim
falavam e choravam juntos, os céus abriram-se na nona hora do dia seguinte, e
eles viram Jesus descer, extremamente radiante, e era extraordinária a luz em que
ele se achava. Porquanto resplandecia ainda mais do que na hora em que fora
elevado, de tal modo que os habitantes da terra não conseguiam abarcar a luz
que nele estava. Ela emitia raios de luz em profusão, e seu brilho era imensurável.
Essa luz não era uniforme, mas heterogénea em tipo e natureza, sendo que uns
raios eram infinitamente mais luminosos do que outros. Em sua totalidade, a luz
consistia em três tipos, cada um infinitamente mais resplandecente que o
anterior. O segundo, o do meio, era mais excelente que o primeiro, o mais
inferior. O terceiro, o mais elevado dos três, era mais perfeito do que os
outros dois. O primeiro raio, que se encontrava sob os outros dois,
assemelhava-se à luz que descera sobre Jesus quando fora elevado aos céus.
Contudo, apenas por sua luminosidade esse raio era igual àquele. Os três tipos
de luz estavam constituídos de diferentes maneiras, cada uma mais magnífica do
que a outra.
Ao verem isso, os
discípulos ficaram muito aterrorizados e confusos. Jesus, o misericordioso e
manso, vendo seus discípulos em tão grande agitação, disse-lhes: Tende confiança. Sou eu. Não temais. Tendo
ouvido essas palavras, eles disseram: Ó
Senhor, se és tu, recolhe teu esplendor luminoso para dentro de ti, para que
possamos suportá-lo. Senão nossos olhos serão ofuscados; estamos aflitos, e
todo o mundo também está abalado por causa da grande luz que está em ti.
Em seguida, Jesus recolheu o fulgor de sua luz de volta para si. Quando isso
ocorreu, os discípulos recobraram ânimo, dirigiram-se a Jesus, caíram por
terra, adorando-o com grande alegria, e perguntaram-lhe: Senhor, aonde foste, ou qual foi a missão que cumpriste? E,
sobretudo, porque ocorreu toda essa agitação e todo esse terremoto? Então
disse-lhes Jesus, o Misericordioso: Alegrai-vos
e rejubilai desta hora em diante, porque fui para a região de onde vim. A
partir de agora falarei convosco com toda a franqueza, desde o princípio da
verdade até a sua consumação, e falarei convosco frente a frente, sem
metáforas. Doravante nada mais vos ocultarei do mistério do Alto e da essência
do reino da verdade. Porque, pelo Inefável e pelo Primeiro Mistério de todos os
mistérios, foi-me dado a autoridade de falar convosco sobre a verdade, desde o
princípio até sua consumação e do exterior para o interior, e do interior para
o exterior. Ouvi, portanto, para que eu vos conte todas as coisas. Quando, no
Monte das Oliveiras, sentado um pouco distante de vós, meditava sobre a missão
da incumbência para a qual eu fora enviado e que fora realizada, e que o último
mistério dos vinte e quatro mistérios, o vigésimo quarto do interior para o
exterior, ainda não me enviara minha veste. Esses vinte e quatro mistérios
encontram-se no segundo espaço do Primeiro Mistério na ordem daquele espaço. Quando
então reconheci que estava realizada a missão da incumbência para a qual eu
fora enviado, e que esse mistério ainda não me enviara minha veste, que eu
deixara em seu interior até que o tempo estivesse cumprido, comecei então a
meditar sobre isso, quando sentei-me um tanto afastado de vós no Monte das
Oliveiras.
E sucedeu, quando o sol
despontou no oriente, através do Primeiro Mistério, que existe desde o princípio,
e por cuja causa se originou o Universo do qual eu mesmo acabo de chegar, não
na época que antecedeu minha crucificação, porém agora, por mandamento desse
mistério foi-me enviada minha veste-de-luz, que me fora dada desde o princípio
e eu deixara no último mistério, do interior para o exterior. Esses vinte e
quatro mistérios são os que se encontram na ordem do segundo espaço do Primeiro
Mistério. Deixei então esse manto de luz no último mistério até que chegasse a
hora certa de vesti-lo e de começar a falar à humanidade para revelar-lhe tudo
da verdade, desde seu princípio até a sua consumação; para falar-lhe do
interior dos interiores até o exterior dos exteriores e do exterior dos
exteriores até o interior dos interiores. Alegrai-vos, pois, rejubilai e
regozijai-vos, pois vos foi concedido que eu falasse primeiro convosco da
verdade, desde seu princípio até sua consumação. Porque eu, já desde o
princípio vos escolhi pelo mandamento do Primeiro Mistério». In J.
Van Rickenborgh, De gnostieke mysteriën van de Pistis Sophia, 1960, Rozekruis
Pers, Holanda, Die gnostischen Mysterien der Pistis Sophia, 1992, Os Mistérios
Gnósticos da Pistis Sophia, Lectorium Rosicrucianum, Escola Internacional da
Rosacruz Áurea, Brasil, Pentagrama, Lisboa, 2012, ISBN 978-85-62923-12-6.
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