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As canas nos testemunhos de Martin Behaim e Jerónimo Münzer
«(…) Não deixa de ser estranho o atraso da propagação desta notícia
fantástica, considerando a sua larga difusão pela impressa, nomeadamente
através do folheto intitulado De insulis Indie supra Gangem, mas
assim parece ter acontecido, pois de outra forma a elaboração da carta de
Münzer não teria sentido. Os argumentos em prol da tese apresentada por Münzer na
carta de 1493 foram-lhe em grande
parte fornecidos por Behaim no sentido de fundamentar a existência das terras
orientais aonde seria fácil de chegar por uma via ocidental e entre os indícios
que a sustentam indicava-se a existência das canas que eram arrastadas pelo
mar, como se verifica na transcrição do seguinte trecho da referida carta, em
que confrontamos a versão latina com a portuguesa
Texto do extrato da cópia em latim da carta de Jerónimo Münzer tal como
foi copiada por Hartmann Schedel
Considerans h[a]ec invictissimus Romanorum Rex Maximilianus matre Portugalensis
voluit epistola mea quamavis rudi maiestatem tuam invitari ad qu[a]erendum
orientalem Cathaii ditissimam plagam. […]
Quando Münzer escreveu esta carta ainda não tinha vindo a Portugal e por isso não podia ter feito a referência às canas e ao contexto em que lhes alude sem ser por via das informações que Behaim lhe fornecera. Behaim ao chegar a Lisboa verificou que o seu projecto tinha sido ultrapassado pela realização de Colombo em 1492-1493 e que pela assinatura do Tratado de Tordesilhas a7 de Junho de 1494 Portugal ficou afastado da exploração das rerras ocidentais recém descobertas. Terá sido por estes factores que o alemão acabou por cair no esquecimento e foi silenciado pela cronística portuguesa, com a notável excepção de João de Barros. Este autor acabou por destacar a sua acção científica reflectindo um eco que teria sido empolado e adulterado pela memória quando alegou que em tempo del-rei João segundo foi por ele encomendado este negócio [da navegaçáo astronómica] a mestre Rodrigo e a mestre Josepe judeu, ambos seus médicos, e a Martinho da Boémia, natural daquelas parte, o qual se gloreava de ser discípulo de Joane de Monte Régio, afamado astrónomo entre os professores desta ciência, os quais acharam esta maneira de navegar pela altura do sol, de que fizeram suas tavuadas pêra declinação dele, como se ora usa entre os navegantes, já mais apuradamente do que começou, em que se serviam estes grandes astrolábios de pau.
Em 1494, Münzer saiu de
Nuremberga e veio a Portugal, onde a 16 de Novembro se encontrou em Évora com o
rei João II, que o recebeu muito bem, tendo falado com ele longamente sobre
vários assuntos relacionados com os Descobrimentos, pelos quais o alemão tinha
particular interesse. No decorrer de tais conversações as canas mencionadas na
sua carta de 1493 terão sido
evocadas e seria na sequência da curiosidade então revelada por esses materiais
que o alemão foi autorizado a vê-las quando se deslocou a Lisboa. Münzer partiu
de Évora a 26 de Novembro de 1494 e
depois de ter chegado a Lisboa ficou hospedado na casa do Rossio que pertencia
ao sogro de Behaim. De entre as coisas de que muito se admirou nesta cidade o
alemão realçou no Castelo de São Jorge um grande mapa redondo com cerca de três
metros de diâmetro, que como atrás assinalámos será admissível tratar-se do
mapa-mundo de Fra Mauro. A 30 de Novembro de 1494, Münzer deslocou-se expressamente à igreja de Nossa Senhora da
Luz para ver entre os objectos exóticos que aí se guardavam as famosas canas que tanto o interessavam desde
que no ano anterior escrevera a carta a João II». In José Manuel Garcia, D. João II
vs Colombo, Duas Estratégias divergentes na busca das Índias, Quidnovi, 2012,
Vila do Conde, ISBN 978-989-554-912-2.
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