As Antepassadas Portucalenses (783-1014)
«(…) Em 931, o rei de Leão,
que dois anos antes, por morte do irmão, tinha incorporado nos seus domínios o
da Galiza, retirou-se para o mosteiro de Sahagún, e entregou os dois reinos a
Ramiro, que foi ungido monarca de Leão. Depois, arrepender-se-ia, sairia do convento
e sublevar-se-ia contra Ramiro, mas este acabaria por vencer e fechá-lo-ia num
calabouço para toda a vida. Em todas estas lutas, Ramiro contou com o apoio da
família da sua mulher. Mas uma vez consolidado Ramiro no trono leonês, acabou
por se separar dela para casar com uma infanta navarra. Mesmo assim, a família
da sua mulher permaneceu fiel ao rei; de facto, o ex-sogro seria um dos seus
mais estreitos colaboradores durante o seu reinado. Adosinda acabaria
como Aragonta num mosteiro. Até então, as rendas das rainhas tinham-se
regulado por antigas normas do direito clássico, romano e germânico, de forma
fundamental, o dote, derivado do primeiro, e as arras, propostas pelo segundo,
ouro e propriedades que serviam para a manutenção da casa da soberana e para
garantir uma saída digna de cena, embora fosse num convento. Mas isso deixava
pendente a questão da manutenção das filhas dos reis, as infantas, até que casassem,
assim como quando ficavam solteiras e entravam na religião. A Ramiro II de Leão
(931-950)
corresponderia a criação de uma instituição que significaria um importante
salto qualitativo no desenvolvimento das mulheres da realeza, uma verdadeira
escola para a aprendizagem do exercício do poder: o infantado. Uma
instituição que mais tarde teria raízes em Portugal.
O infantado consistia na realidade num enorme dote composto por
cidades, mosteiros e outras posses que Ramiro II estabeleceu em princípio para
a filha, a infanta Elvira, mas do qual, a partir de então, começariam a gozar
como dominas, todas as filhas dos
reis leoneses enquanto permanecessem solteiras. Uma infanta inteligente e
cultivada tinha, graças aos benefícios fiscais que lhe proporcionava esta instituição,
assegurada uma notável posição na corte, da qual, se se mostrasse prudente,
nada nem ninguém conseguiria afastá-la. Nem sequer um marido, pois embora, em
princípio, as infantas deixassem de gozar dessas vantagens quando casavam, houve
algumas que souberam conservá-las até nestas circunstâncias. Mas o infantado
não proporcionava apenas evidentes créditos económicos e políticos; na medida
em que a época o consentia, favorecia também a independência dessas mulheres. O
infantado, em princípio, teria a sua sede no mosteiro de São Pelayo de Leão,
onde estas orgulhosas mulheres conviviam, com título de abadessas, embora sem
fazer votos religiosos, com as freiras que ali professavam. No convento
começavam a treinar-se desde jovens na arte do comando com as do seu mesmo
sexo, e com a passagem dos anos passavam a residir nos mosteiros ou castelos
dos seus próprios feudos, e então, se ainda não o tinham exercido, dedicavam-se
ao governo dos homens. Embora Adosinda Guterres não tivesse chegado a
ser rainha de Leão (o seu lugar seria ocupado por uma navarra), o filho,
Ordoño III (951-956), tornar-se-ia monarca à morte de Ramiro, facilitando assim
o futuro enlace da casa real leonesa com outra mulher da mesma estirpe.
A partir de então, no entanto, as linhagens galaico-portuguesas tiveram
de competir pela influência no trono de Leão com a casa real de Navarra. Apesar
disso, o rei Bermudo II (985-999), filho de Ordoño III e neto
de Adosinda Guterres, pode ser considerado fruto daqueles poderosos
nobres, cujas terras a sul do rio Minho tinham já uma personalidade tão forte e
marcada que as suas rebeliões eram capazes de tirar e pôr reis. Ao mesmo tempo,
as elites do oeste da Península tinham problemas para que o poder central
colaborasse em fazer frente a um dos grandes desafios dessa época, as agressões
de normandos e muçulmanos, das quais se tiveram que defender por conta própria.
Uma das primeiras invasões dos homens do norte deu-se em 968. Os Estados do conde portucalense, Gonçalo Mendes,
primogénito da condessa Mumadona de Guimarães e quinto avô, pelo lado paterno,
de Teresa
de Portugal, sofreram fortes danos, e as populações tiveram que se
organizar para pagar o resgate dos prisioneiros de guerra, vítimas inermes dos
piratas escandinavos, quando estes se internavam no território, através dos
rios que desembocavam no mar.
Não menos graves, embora mais custosos em termos estratégicos, foram os
ataques de Almançor à cidade de Coimbra. A partir de 985, durante cerca de sete anos, os Estados
cristãos do norte da Península atravessariam os seus piores momentos. O
califado de Córdova era tão poderoso que aquele grande chefe muçulmano chegaria
a saquear a cidade de Santiago de Compostela. Na Primavera de 987, as forças do conde Gonçalo
conseguiram repelir um novo ataque à colina coimbrã, mas no ano seguinte a fortaleza
cairia depois de uma batalha campal, tendo os seus defensores que se render. Em
consequência disso, muitos nobres deslocaram-se para as suas propriedades mais
seguras do norte». In Marsilio Cassotti, D. Teresa, A Primeira Rainha de Portugal,
Prefácio de G. Oliveira Martins, Attilio Locatelli, A Esfera dos Livros, 2008,
ISBN 978-989-626-119-1.
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