sexta-feira, 11 de outubro de 2013

O Prior do Crato Contra Filipe II. Evocação Histórica. Mário Domingues. «… expediu para território luso um correio especial, portador de cartas dirigidas aos governadores do reino, uma colectiva e cinco individuais; uma à duquesa de Bragança e seu marido; outra a “António, prior do Crato”...»

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Apesar da corrupção, ninguém ousava entregar o reino a Filipe II
«(…) Havia mais de um ano qu'e se tinham iniciado os preparativos militares em Espanha. Agora, só faltava nomear o comandante-chefe da expedição, o que criava ao rei católico um problema muito difícil. Ogeneral mais prestigioso dessa época, não só em Castela, mas também em toda a Europa, era Fernando Álvares de Toledo, o velho duque de Alba, então caído em desgraça perantes, seu régio amo. No entanto, a opinião pública castelhana, como o próprio Cristóvão Moura, recalcando ressentimentos de uma questão antiga que tivera com o famoso militar, indicava-o como o chefe que a difícil expedição guerreira exigia. Como sempre, o rei católico pensou maduramente antes de se decidir. É que Fradique de Toledo, marquês de Cória, filho do duque de Alba, celebrara tempos antes um casamento secreto, do qual o monarca discordava, motivo por que desterrara os duques para o seu castelo de Uceda. Mas parece que Filipe II, não vendo no momento outro chefe mais capaz, resolveu, por sua conveniência, sempre por sua conveniência, levantar o desterro ao nobrre militar, nomeá-lo comandante supremo das operações e ordenar-lhe que seguisse imediatamenüe para Llerena, na Estremadura espanhola, onde teria de reunir-se ao seu exército.
A 6 de Março de 1580, ainda as Cortes, em Portugal, não se tinham dissolvido, tratou Filipe II de aproximar-se da fronteira portuguesa, saindo de Aranjuez para Guadalupe, com a rainha D. Ana de Áustria, sua quarta mulher, e a sua corte. Durante esse trajecto, a 13 desse mês, expediu para território luso um correio especial, portador de cartas dirigidas às seguintes entidades: aos governadores do reino, uma colectiva e cinco individuais; uma a cada braço do Estado; uma à duquesa de Bragança e seu marido; outra a António, prior do Crato; e às câmaras de Lisboa, Coimbra e Évora, uma a cada. Variando apenas no tratamento, consoante a entidade a que se endereçavam, todas elas repetiam, em síntese, as razões por que o rei católico se considerava com direito ao trono: a sua qualidade de mais velho dos sobrinhos varões do cardeal-monarca. Prometia generosas graças e mercês, se o aceitassem pacificamente como soberano. Dera, porém, ordem para que as cartas dirigidas aos três Estados, nessa data ainda reunidos em Cortes, fossem acompanhadas de um Memorial de las grácias y mercedes que el Rey mi Señor concederá a estos Reynos, quando fuere jurado por Rey e Señor, dellos, en que se incluien las que les concedió el Serenissimo Rey don Manuel año 99, y outras de grande importância para el bien universal y particular dellos.
Este Memorial, datado de Almeirim em 20 de Março, era assinado pelo embaixador Pedro Girón, duque de Ossuna. Nele se rnencionavam todos os artigos do acordo estabelecido com o cardeai-rei Henrique, com excepção daquele que proibia Filipe II e seus sucessores de prover quaisquer ofícios ou cargos em pessoal a quem o cardeal os tirara. Por outro lado, incluía artigos novos, com as seguintes promessas: Que os portugueses seriam admitidos aos ofícios da sua Casa, a exemplo do que se praticava com castelhanos e demais vassalos seus de outras nações; que a rainha traria, ordinariamente, ao seu serviço, senhoras portuguesas nobres, casando-as em Portugal ou Castela; que os portos secos da fronteira seriam abolidos; que ordenaria todas as facilidades possíveis na importação de cereais de Castela; que mandaria dar 300000 ducados, repartidos da maneira seguinte: 120000 para o resgate dos cativos, postos à disposição da Misericórdia de Lisboa; 150000 para instituir e acrescentar depósitos de trigo nos lugares necessitados, conforme entendesse a Câmara de Lisboa; 30000 para remediar as maiores desgraças causadas pela peste; que para a provisão das armadas da Índia, defesa do reino, conservação dos lugares de África e castigo dos corsários, concorreria, quando fosse preciso, com a ajuda de outros Estados seus e muito maior custo de sua real Fazenda; que não podendo, pelo governo dos outros Reinos e Estados, que Deus lhe confiou, residir sempre em Portugal, aqui viveria todo o tempo que pudesse dispensar e, não havendo emharaço maior, deixaria no reino o príncipe, seu fiiho, para que, criado entre portugueses, se acostumasse a conhece-los e amá-los. Convém desde já prevenir que os vinte e cinco capítulos deste Memorial foram mais tarde integralmente reproduzidos na comunicação feita às Cortes de Tomar, pelo secretário de Estado Miguel Moura, e constam da Carta patente de 12 de Novembro de 1582, que devia ser o estatuto pelo qual se regessem os reis castelhanos como reis de Portugal». In Mário Domingues, O Prior do Crato Contra Filipe II, Evocação Histórica, edição da L. Romano Torres, Lisboa, 1965.

Cortesia de RTorres/JDACT