segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Tratado dos Feitos de Vasco da Gama e de seus filhos na Índia. Diogo do Couto. «Ora, deste ponto de vista, conforme Couto registou na Oração / discurso que estava feita para o dia, que se alevantasse [em Goa] a estatua do conde [Vasco da Gama], que não veio a efeito»

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Introdução
«(…) Enfim, por estas e outras razões explícitas, Vasco da Gama, para Couto, fora um predestinado, bem como o monarca que lhe facultou a viagem da descoberta da India, ou seja, Manuel I. Lendo, com efeito, O Soldado Prático, encontramos na parte final da obra, em jeito de resumo, a seguinte proclamação: cotejando os favores que Deus fez aos israelitas e a nós, portugueses, ficámos sem dúvida beneficiados. Porquê ou para quê? Nos os Portugueses não assim [não fomos desfavorecidos], porque como Deus Nosso Senhor tinha determinado mandar dilatar e pregar a sua santa lei por autores de cousa tamanha, que foi o mor mimo e mercê de todos os que fez aos filhos de Israel, abriu-lhe[s] caminho por meio desse Oceano por distância de seis mil léguas e em seis meses de jornada, sem risco, nem perigo; porque as três naus que a isso foram, todas tornaram a este reino. E no Tratado de todas as cousas... volta a afirmar que o negócio da descoberta da Índia foi tamanho ou cousa grande, pelos gastos exigidos, pelo risco de aventura e, sobretudo, por ser serviço de Deus e bem do Reino. Pois, ao dispor-se Vasco da Gama a ser padrinho de baptismo do judeu polaco, emissário do sabaio de Goa, não deu ele continuidade à acção evangélica de um apóstolo? E assim podemos dizer que Vasco da Gama foi o primeiro depois do appostolo S. Thomé que nestas partes [...] comesou a ezercitar este santo salvamento e que abrio esta fonte donde depois manou a amplissima christandade que por todo o Oriente se estende - comentará, Couto.
Enfim, o autor do Tratado é um acérrimo defensor da ideologia que, desde 1415 (leia-se, particularmente o Livro de Arautos, publicado em 1416 ou a Crónica dos Sete Primeiros Reis de Portugal, iniciada em 1419), tradicionalmente ou de uma forma estrutural, sustenta a Expansão Portuguesa e de que uma das linhas de força será a aliança estabelecida entre Deus e os portugueses: eles difundiriam a sua religião e Ele combateria a seu lado. Ora, deste ponto de vista, conforme Couto registou na Oração / discurso que estava feita para o dia, que se alevantasse [em Goa] a estatua do conde [Vasco da Gama], que não veio a efeito, designadamente, se o valeroso capitão não tivesse descoberto o Estado da Índia, não fora a Virgem Maria ali tão venerada. Com efeito, ela andava associada, pelos portugueses, à empresa da Expansão, juntamente com alguns santos (S. Tiago, S. Tomé...) e se, por sua intercessão, (é esta a interpretação de Diogo do Couto), os nossos alcançavam do Céu favores, também eles lhos prestavam. Concretamente, a Virgem tinha particular obrigação para com Vasco da Gama.
A par do proveito espiritual, deveria ser considerado, igualmente, por ser necessário e legítimo (segundo as mentalidades e ideologias da época do Gama) valor material. Ora, do ponto de vista do último destes valores, segundo Couto (e estamos a citar, novamente, a oração referida), Vasco da Gama não descobrio nesta jornada [a primeira] o horto das Espheridas, onde fabullarão haver maçans d'ouro, mas descobrio-nos montes d'ouro, serras de prata, descobrio-nos minas de diamantes, e rubis, pedras d'esmeraldas, e çafiras, descobrio mares, e pescarias de perolas serenissimas, deo noticia ao mundo de todas as especiarias aromatecas com que oje se emrequesse, descobrio-nos emfïm todas as louçainhas lindezas, e riquezas deste Oriente [...]. Em suma, no contexto da economia e da sociedade portuguesa, a descoberta da Índia permitiu aumentar o número e a abastança das casas senhoriais, a ponto de algumas delas suplantarem em majestade as antigas casas reais. Concorreu, enfim, e decididamente, para o crescimento e o desenvolvimento do nosso pequeno Reino». In Diogo do Couto, Tratado dos Feitos de Vasco da Gama e de seus filhos na Índia, organização de José Azevedo Silva e João Marinho Santos, Universidade de Coimbra, Faculdade de Letras, Edições Cosmos, Porto, 1998, ISBN 972-762-081-7.

Cortesia da FL da UCoimbra/JDACT