quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Ecos de Paris. A moderna presença de Eça de Queirós no Brasil. Adriana Mello Guimarães. « Não era só em nossa formação literária e em nosso próprio estilo que Eça de Queirós influía. Influía em nossos projectos de andar pelo mundo, em nossos hábitos, gostos e atitudes (…)»

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«(…) Quando o Brasil já era republicano, surgiu um movimento literário, denominado Padaria Espiritual (1892-1898), que congregou em Fortaleza jovens artistas (pintores, músicos e escritores). Curiosa é a tentativa do grupo em estabelecer contacto com a Geração de 70 portuguesa, tendo sido enviadas várias cartas, inclusive a Eça de Queirós. Adolfo Caminha, um dos membros, resume a admiração do grupo: Todos nós tínhamos entusiasmo pela gloriosa constelação portuguesa: recolhemo-nos para meditar frases ao Eça, ao Nobre, ao Ramalho, ao Guerra Junqueiro De facto, o culto das personagens queirosianas fomentou vários clubes e agremiações das mais diversas gerações. O diplomata e poeta Magalhães Azeredo é também protagonista de um encontro inusitado com o seu ídolo, Eça de Queirós, em 1898. Segundo o depoimento de Afonso Arinos Melo Franco, Azeredo estava na redacção da Revista Moderna quando entrou o próprio Eça, à procura de Eduardo Prado. Emocionado, o jovem Azeredo não obedeceu às ordens de segredo, e revelou a Eça que estavam a preparar um número especial em sua honra e que ele ali estava escrevendo o seu elogio ao escritor. Ora, qual não foi sua decepcionada surpresa ao verificar que Eça não se mostrou nada abalado com a revelação. (…) e comentou, com displicência, já a caminho da porta, - Está a escrever o meu elogio? Pois carregue-lhe no adjectivo. Um outro diplomata (e igualmente escritor), Ribeiro Couto foi também grande admirador de Eça: Para mim e para os rapazes do meu tempo, da minha roda, primeiro em Santos (. . . ) depois sob as arcadas do velho Convento de São Francisco, por volta de 1915, na Faculdade de Direito de São Paulo, ele foi uma grande janela aberta para o mundo vivo. Os jovens leitores brasileiros do início do século XX, por graça, atribuíam uns aos outros os nomes das personagens queirosianas e tentavam imitar os seus personagens preferidos:

Não era só em nossa formação literária e em nosso próprio estilo que Eça de Queirós influía. Influía em nossos projectos de andar pelo mundo, em nossos hábitos, gostos e atitudes (…) As paisagens, os ambientes, a humanidade, mesmos os tiques de linguagem e as atitudes das personagens do Eça, como nós dizíamos estavam incorporados no nosso quotidiano.

Massaud Moisés destacou a verdadeira eçolatria que afectou os escritores brasileiros na primeira metade do século XX: desde Aluísio Azevedo até os contemporâneos, Jorge Amado à frente. Nem mesmo Graciliano Ramos (…) resistiu ao fascínio do estilista da Póvoa do Varzim. Clarice Lispector, que negava ter sido influenciada por outros autores, foi leitora voraz do Eça. José Lins Rego é outro escritor fascinado pelo estilo queirosiano e Cyro dos Anjos, ainda na sua cidade natal, Montes Claros, leu Eça». In Adriana Mello Guimarães, Ecos de Paris: A moderna presença de Eça de Queirós no Brasil, Universidade de Évora, Escola Superior de Educação de Portalegre, LusoSofia press, A Belle Époque Brasileira, CLEPUL, Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-8577-15-3.

Cortesia de CLEPUL/JDACT