sexta-feira, 18 de outubro de 2013

O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa: Carl Erdmann. «É possível que as incumbências com que Jacinto veio a Espanha fossem o restabelecimento da paz entre os príncipes da Península e a organização duma expedição guerreira comum contra os ‘infiéis’»

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A luta contra o primado de Toledo
«(…) Ao mesmo tempo, ajuntava uma queixa por causa do bispado de Zamora, reclamando para si esta diocese, cujo bispo havia sido sagrado pelo metropolita de Toledo, baseando a sua, reclamação no ajuste feito com o cardeal legado Deusdedit, em 1124. Eugénio III citou por isso, em 6 de Junho de 1151, ambos os arcebispos a comparecerem em Roma. Houve então, é certo, um adiamento, que se pode ligar talvez com a morte de Raimundo de Toledo ocorrida no ano seguinte. Mas quando o seu sucessor João, no verão de 1153, enviou os seus representantes à cúria, apareceu também em Roma João Peculiar de Braga, para se assegurar do bispado de Zamora. É característico que, entre todas as suas viagens a Roma, seja esta a única em que ele tenha aparecido na cúria sem um séquito de emissários dos mosteiros isentos portugueses ou de cavaleiros da ordem: desta vez era fácil o jogo e podia passar sem auxílios complicados e aparatosos para conseguir o favor do papa. O êxito desejado não se fez esperar; Zamora foi-lhe adjudicada em 13 de Junho de 1153 e desta forma atingiu a província eclesiástica de Braga a maior extensão de todos os tempos.
A consciência da sua posição segura na Cúria deu novo ânimo a João Peculiar para retomar a antiga atitude de oposição na questão do primado. Na verdade, o acto de sujeição de 1150 ficou sendo o único, nunca foi repetido; quando o sucessor de Raimundo de Toledo, o já nomeado João, exigiu a renovação da obediência, recomeçou João Peculiar com a sua antiga recusa. João de Toledo queixou-se logo em Roma, e Anastácio IV, que agora havia subido à cadeira de S. Pedro, defendeu o primado de Toledo tão energicamente como ambos os seus predecessores. Em duas linhas, respectivamente de 8 de Abril a 19 de Setembro de 1154, ordenou ele ao arcebispo de Braga que se sujeitasse, sob pena de suspensão se desobedecesse. As bulas não foram porém entregues. É que Anastácio IV encarregara também ao mesmo tempo o seu legado Jacinto, cardeal-diácono de S. Maria de Cosmedin, que no começo de 1154 enviara a Espanha, de tratar desta questão e Jacinto tomou conta dela, evidentemente.
É possível que as incumbências com que Jacinto veio a Espanha fossem o restabelecimento da paz entre os príncipes da Península e a organização duma expedição guerreira comum contra os infiéis. Nesta última direcção exerceu ele actuação especial; fez que se resolvesse nos concílios de Valladolid e Lérida mandar uma expedição entre os mouros e conceder as respectivas indulgências, tomou em seguida ele próprio a cruz e fez que lhe entregassem, pelo menos nominalmente, a direcção da empresa. Mas o restabelecimento da paz entre os cristãos não foi planeado sem reserva, mas' pensado absolutamente no sentido de Castela. A iniciativa desta legacia é de Afonso VII de Castela, e a posição assumida em face do primado de Toledo mostra mais uma vez, com especial clareza em que sentido devia trabalhar o legado. Jacinto recebeu instruções expressas para obrigar a prestar obediência ao primaz de Toledo não só o arcebispo de Braga mas também os metropolitas de Compostela e Tarragona, isto é: todos os metropolitas da Península, o que significava, naturalmente, a supremacia política de Castela. A paz devia pois significar submissão de toda a Península a Castela: o antigo programa da Cúria enfim devia ser executado.
Jacinto principiou a sua tarefa quanto a Portugal, as circunstâncias do oriente da Península não podem ser expostas aqui, com grande precaução. Ele próprio menciona mais tarde na carta concedida a Toledo que impediu a entrega da bula ao arcebispo de Braga; pois era sua intenção convocar vários concílios como encerramento da sua missão, sobretudo um em Castela, no qual devia tomar parte o episcopado português e navarrense e que devia exprimir solenemente a unidade da quase totalidade da Igreja hispânica sob a direcção de Castela, e receava com razão que o arcebispo de Braga se mantivesse afastado deste concílio, se de antemão soubesse pelas bulas do papa toda a severidade da ordem que o cardeal lhe trazia». In Carl Erdmann, O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa, Universidade de Coimbra, Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1935.

Cortesia de Separata do Boletim do Instituto Alemão/JDACT