Do
Tempo das Pirâmides ao Tempo das Catedrais. Partir
à Aventura
A
Eterna Sabedoria
«(…)
A arte da Idade Média não surge por geração espontânea. Foi originada pela
convergência de uma tradição simbólica com a vontade de criar comunidades de
construtores. Esta vontade é indissociável do que os pensadores medievais
denominavam Eterna Sabedoria. Quando Saint-Gall
escreve: Antes de todos os séculos nasceu
o Filho de Deus, invisível e infinito, atribui à cultura simbólica a sua
verdadeira dimensão, para lá da história e do tempo. A aventura medieval não está
encerrada numa época condenada ao esquecimento porque é alimentada, nas suas
criações artísticas, por essa Eterna
Sabedoria. Viver a sabedoria da Idade Média significa evitar qualquer
espírito de competição com a nossa época. As condições materiais, económicas e
sociais mudaram, umas vezes para melhor, outras para pior. Entre o século X e o
século XV, e sobretudo nos séculos XI e XII, aconteceu um momento de civilização
suficientemente excepcional para que as pedras se pusessem a falar, a
dizer a Sabedoria. Por outro lado, a idade média material teve uma
importância bastante secundária em relação à pujança interior que animou os
construtores. Da aventura que empreenderam ficaram os testemunhos que são as
suas obras. Ao contemplar os verdadeiros templos que são as catedrais ou as
esculturas simbólicas como uma fénix, um dragão ou um cavaleiro, entramos, como
o artesão que os afeiçoou à sua mão, no presente eterno da consciência. Escultura viva, pedra viva, olhar que, graças
a elas, toma vida. Este presente mergulha as raízes numa tradição
simbólica que é, preciso, hoje em dia, esclarecer em pormenor.
O
Enigma dos símbolos medievais
Tanto
o erudito mais sábio como o visitante mais distraído conseguem aperceber-se,
quando deparam com o universo esculpido das catedrais, de que o sistema
racional e analítico está largamente posto em causa. Por todo o lado se vêm
figuras estranhas, celestes ou diabólicas. Alguns teóricos, filósofos e
historiadores tentaram apagar tudo isto, isolando-nos dessa fonte e atirando a
Idade Média dos símbolos para a zona do inconsciente
colectivo, dos delírios da imaginação. Tinha de se mostrar a todo o preço,
e sem qualquer preocupação de rigor científico, que os símbolos e a iniciação
dos construtores de catedrais faziam parte da mentalidade arcaica, e que tinham sido ultrapassados pelo famoso sentido da história. Infelizmente, todos
os sentidos da história conhecidos e
as suas diversas dialécticas não produziram mais que sinistros edifícios administrativos
e campos de prisioneiros. A iniciação e os símbolos formaram homens aptos a
construir Chartres, Estrasburgo, Amiens e a iluminar aqueles que buscam
a compreensão do sentido da vida.
Num
breve instante, a visão de um capitel de Vézelay,
de uma torre da catedral de Laon
incute-nos uma certeza ainda não formulada mas indestrutível: é este livro de
símbolos que precisamos decifrar para podermos penetrar no estaleiro da
catedral em construção. Foi ainda utilizado um argumento mais tendencioso para desvalorizar
a simbólica da Idade Média no nosso espírito. Era preciso reconhecer que, de
facto, havia muitas coisas estranhas e inexplicáveis nas esculturas desta época,
mas que não passariam de produtos da fantasia
popular. Não seriam mais que a expressão de tendências vulgares, que
conduziriam a uma arte naïf e
folclórica. A arte dos construtores não é, nem naïf nem folclórica. Tinham que lutar contra os elementos,
contra o quotidiano para conseguir, através da obra feita, pôr o homem em
harmonia com o universo. Já Aristóteles, que não nutria grande simpatia pelas
confrarias iniciáticas, fazia notar que as tradições mais vulgares, obedecendo
a ritos e a ritmos, eram as formas mais elementares da Eterna Sabedoria.
Não
há qualquer folclore nos capitéis da Idade Média, nem pequenos ou grandes
temas. É o todo que devemos considerar. O saltimbanco e o seu urso, por
exemplo, não são apenas uma cena típica,
uma brincadeira que um escultor resolveu representar para distrair a
assistência. Se a corda aperta o pescoço do urso, que sabemos ser quase
impossível domar, isso significa que o instinto mais brutal deve ser controlado
sem ser aniquilado. Devemos ser nós os senhores do urso, os saltimbancos que
brinquem com a fera sem por ela se deixarem devorar». In Christian Jacq, Le Message des
Constructeurs de Cathédrales, Éditions du Rocher, 1980, A Mensagens dos
Construtores de Catedrais, Instituto Piaget, Romance e Memória, Lisboa, 1999,
ISBN 972-771-129-4.
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