terça-feira, 9 de setembro de 2014

A Mensagem dos Construtores de Catedrais. Christian Jacq. «Já Aristóteles, que não nutria grande simpatia pelas confrarias iniciáticas, fazia notar que as tradições mais vulgares, obedecendo a ritos e a ritmos, eram as formas mais elementares da ‘Eterna Sabedoria’»

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Do Tempo das Pirâmides ao Tempo das Catedrais. Partir à Aventura
A Eterna Sabedoria
«(…) A arte da Idade Média não surge por geração espontânea. Foi originada pela convergência de uma tradição simbólica com a vontade de criar comunidades de construtores. Esta vontade é indissociável do que os pensadores medievais denominavam Eterna Sabedoria. Quando Saint-Gall escreve: Antes de todos os séculos nasceu o Filho de Deus, invisível e infinito, atribui à cultura simbólica a sua verdadeira dimensão, para lá da história e do tempo. A aventura medieval não está encerrada numa época condenada ao esquecimento porque é alimentada, nas suas criações artísticas, por essa Eterna Sabedoria. Viver a sabedoria da Idade Média significa evitar qualquer espírito de competição com a nossa época. As condições materiais, económicas e sociais mudaram, umas vezes para melhor, outras para pior. Entre o século X e o século XV, e sobretudo nos séculos XI e XII, aconteceu um momento de civilização suficientemente excepcional para que as pedras se pusessem a falar, a dizer a Sabedoria. Por outro lado, a idade média material teve uma importância bastante secundária em relação à pujança interior que animou os construtores. Da aventura que empreenderam ficaram os testemunhos que são as suas obras. Ao contemplar os verdadeiros templos que são as catedrais ou as esculturas simbólicas como uma fénix, um dragão ou um cavaleiro, entramos, como o artesão que os afeiçoou à sua mão, no presente eterno da consciência. Escultura viva, pedra viva, olhar que, graças a elas, toma vida. Este presente mergulha as raízes numa tradição simbólica que é, preciso, hoje em dia, esclarecer em pormenor.

O Enigma dos símbolos medievais
Tanto o erudito mais sábio como o visitante mais distraído conseguem aperceber-se, quando deparam com o universo esculpido das catedrais, de que o sistema racional e analítico está largamente posto em causa. Por todo o lado se vêm figuras estranhas, celestes ou diabólicas. Alguns teóricos, filósofos e historiadores tentaram apagar tudo isto, isolando-nos dessa fonte e atirando a Idade Média dos símbolos para a zona do inconsciente colectivo, dos delírios da imaginação. Tinha de se mostrar a todo o preço, e sem qualquer preocupação de rigor científico, que os símbolos e a iniciação dos construtores de catedrais faziam parte da mentalidade arcaica, e que tinham sido ultrapassados pelo famoso sentido da história. Infelizmente, todos os sentidos da história conhecidos e as suas diversas dialécticas não produziram mais que sinistros edifícios administrativos e campos de prisioneiros. A iniciação e os símbolos formaram homens aptos a construir Chartres, Estrasburgo, Amiens e a iluminar aqueles que buscam a compreensão do sentido da vida.
Num breve instante, a visão de um capitel de Vézelay, de uma torre da catedral de Laon incute-nos uma certeza ainda não formulada mas indestrutível: é este livro de símbolos que precisamos decifrar para podermos penetrar no estaleiro da catedral em construção. Foi ainda utilizado um argumento mais tendencioso para desvalorizar a simbólica da Idade Média no nosso espírito. Era preciso reconhecer que, de facto, havia muitas coisas estranhas e inexplicáveis nas esculturas desta época, mas que não passariam de produtos da fantasia popular. Não seriam mais que a expressão de tendências vulgares, que conduziriam a uma arte naïf e folclórica. A arte dos construtores não é, nem naïf nem folclórica. Tinham que lutar contra os elementos, contra o quotidiano para conseguir, através da obra feita, pôr o homem em harmonia com o universo. Já Aristóteles, que não nutria grande simpatia pelas confrarias iniciáticas, fazia notar que as tradições mais vulgares, obedecendo a ritos e a ritmos, eram as formas mais elementares da Eterna Sabedoria.
Não há qualquer folclore nos capitéis da Idade Média, nem pequenos ou grandes temas. É o todo que devemos considerar. O saltimbanco e o seu urso, por exemplo, não são apenas uma cena típica, uma brincadeira que um escultor resolveu representar para distrair a assistência. Se a corda aperta o pescoço do urso, que sabemos ser quase impossível domar, isso significa que o instinto mais brutal deve ser controlado sem ser aniquilado. Devemos ser nós os senhores do urso, os saltimbancos que brinquem com a fera sem por ela se deixarem devorar». In Christian Jacq, Le Message des Constructeurs de Cathédrales, Éditions du Rocher, 1980, A Mensagens dos Construtores de Catedrais, Instituto Piaget, Romance e Memória, Lisboa, 1999, ISBN 972-771-129-4.

Cortesia  de IPiaget/JDACT