Os Possíveis Tesouros
«(…) Lilley, que morreu
em 1940, tinha publicado vários
trabalhos e não era um desconhecido. Durante grande parte da sua vida mantivera
contactos com o Movimento Modernista Católico, que tem a sua base
principal no Saint Sulpice, em Paris. Na juventude, Lilley trabalhara em
Paris e conhecera Émile Hoffet. As pistas formavam um círculo. Existindo uma
ligação entre Lilley e Hoffet, as afirmações do padre, por mais absurdas
que parecessem, não podiam ser sumariamente postas de lado. Quando começámos a
investigar a vida de Nicolas Poussin, o grande pintor do século XVII
cujo nome aparecia várias vezes na história de Saunière, surgiram provas
semelhantes da existência de um segredo monumental. Em 1656, Poussin, que na altura vivia em Roma, recebera uma visita do
abade Louis Fouquet, irmão de Nicolas Fouquet, superintendente das Finanças de
Luís XIV de França. De Roma, o abade despachou uma carta para o irmão, descrevendo
o seu encontro com Poussin. Vale a pena citar parte da carta:
- Ele e eu discutimos certas coisas, que em breve poderei explicar-vos em detalhe, coisas que vos darão, através do senhor Poussin, vantagens que até mesmo reis teriam grande dificuldade em obter dele e que, segundo ele, é possível que ninguém volte a descobrir nos próximos séculos. E mais, estas coisas são tão difíceis de descobrir que nada ao cimo da terra se revelará de melhor fortuna ou as igualará.
Nem os historiadores,
nem os biógrafos de Poussin ou Fouquet, conseguiram algum a vez explicar de forma
satisfatória esta carta, que alude claramente a algum assunto misterioso de
enorme importância. Pouco depois de a receber, Nicolas Fouquet foi detido e colocado
na prisão, onde permaneceu o resto da sua vida. Segundo certos relatos, era
mantido estritamente incomunicável e alguns historiadores encaram-no como um
provável candidato a ter sido o Homem da Máscara de Ferro. Entretanto,
toda a sua correspondência foi confiscada por Luís XlV, que a inspeccionou
pessoalmente. Nos anos que se seguiram, o rei esforçou-se determinadamente para
obter o original do quadro de Poussin, Les Bergers d’Arcadie.
Quando por fim o conseguiu, o quadro foi sequestrado para os seus aposentos
privados em Versalhes. lndependentemente da sua grandeza artística, o quadro
parece bastante inocente. Em primeiro plano, três pastores e uma pastora
estão reunidos em volta de um grande túmulo antigo, contemplando a inscrição na
pedra comida pelo tempo: et in arcadia ego. Ao fundo ergue-se
uma paisagem acidentada e montanhosa, do tipo que geralmente se associa com
Poussin. Segundo Anthony Blunt, bem como outros especialistas em Poussin, esta
paisagem era inteiramente mítica, um produto da imaginação do pintor. No entanto,
no princípio da década de 1970, foi localizado um túmulo verdadeiro,
idêntico ao retratado no quadro idêntico em posição, dimensões, proporções,
forma, vegetação circundante, até mesmo no afloramento rochoso circular onde um
dos pastores de Poussin pousa o pé. Este túmulo existe nos arredores de uma
aldeia chamada Arques, aproximadamente a dez qui lómetros de Rennes-le-Château,
e a cinco quilómetros do Château de Blanchefort. Se uma pessoa se
colocar em frente do sepulcro, a paisagem é praticamente indistinguível da do
quadro. E então torna-se evidente que
um dos picos em segundo plano no quadro é Rennes-le-Château.
Não há indicação da
idade do túmulo. Pode, claro, ter sido erigido bastante recentemente, mas como
é que os seus construtores conseguiriam encontrar uma localização que coincide de forma tão perfeita com a
do quadro? Na verdade, parece já ter existido no tempo de Poussin, e Les Bergers
d'Arcadie parece ser uma reprodução fiel do local. Segundo os
camponeses da zona, o túmulo está lá há tanto tempo quanto eles, os seus pais e
os seus avós se recordam. E diz-se que há uma menção específica a ele numa mémoire datada de 1709. Segundo os registos da aldeia de Arques, a terra onde o
túmulo se encontra pertenceu, até à sua morte na década de 1950, a um americano, um tal Louis Lawrence, de Boston,
Massachusetts. Na década de 1920,
Mr. Lawrence abriu o sepulcro e descobriu que estava vazio. A sua mulher e
sogra foram mais tarde enterradas nele.
Quando preparávamos o
primeiro dos nossos filmes para a BBC em Rennes-le-Château, passámos uma manhã
a efectuar filmagens do túmulo. lnterrompemos o nosso trabalho para almoçar e regressámos
cerca de três horas depois. Durante a nossa ausência, tinha sido feita uma
tentativa violenta e rude de arrombar o sepulcro. Se algumavez existiu uma
inscrição no túmulo verdadeiro, o tempo há muito que a apagara. Quanto à
inscrição no túmulo do quadro de Poussin, parece ser convencionalmente elegíaca,
a Morte a anunciar a sua presença sombria, mesmo em Arcádia, o idílico paraíso
pastoral dos mitos clássicos. E contudo a inscrição é curiosa porque lhe lalta
um verbo. Literalmente traduzida, diz:
- E EM ARCADIA EU...
Porque faltará o verbo? Talvez por uma razãofilosófica, para
excluir qualquer tempo, qualquer indicação de passado, presente ou futuro, implicando assim algo eterno? Ou
talvez por uma razão de natureza mais prática. Os códigos dos pergaminhos encontrados
por Saunière apoiavam-se fortemente em anagramas, na transposição e
redistribuição de letras. Poderia et in arcadia ego" ser, talvez, também um anagrama? Poderia
o verbo ter sido omitido de forma a que a inscrição pudesse consistir apenas de certas letras precisas? Um dos nossos
espectadores, ao escrever-nos, sugeriu que podia ser este o caso, e depois
redistribuiu as letras de maneira a formar uma frase coerente em latim. O resultado
foi:
- I TEGO ARCANA DEI (ide! Eu escondo os segredos de Deus)
Ficámos satisfeitos e
intrigados com este exercício engenhoso. Não nos apercebemos na altura de quão
extraordinariamente apropriada era a advertência dele resultante.
Os cátaros e a grande heresia
Começámos nossa investigação num
ponto que já nos era razoavelmente familiar: a heresia cátara, ou albigense, e
a Cruzada provocada por ela no século XIII. Já sabíamos que os cátaros figuravam
de alguma maneira no mistério que circundava Saunière e Rennes-le-Château». In
Michael Baigent, Eichard Leigh, Henry Lincoln, The Holly Blood and The Holy
Grail, 1982, O Sangue de Cristo e o Santo Graal, Editora Livros do Brasil,
Colecção o Despertar dos Mágicos, Lisboa, 2004, ISBN 972-38-2651-8.
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