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Tal como no passado, os homens continuarão indubitavelmente a escolher, de entre
essas alternativas anteriores, à sua época, as que melhor servem de antídoto
aos seus próprios erros, ou que estão de acordo com as suas opiniões
consideradas como subversivas ou, pelo menos, condenadas, pela maioria que os
rodeia. A filosofia platónica foi uma forma apaixonada de livre idealismo nos círculos
florentinos do século XV, oferecendo aos espíritos elementos que não eram
necessariamente contrários ao pensamento cristão, pelo menos, assim o acreditaram,
mas que o pensamento cristão, só por si, não lhes trazia. Os pré-socráticos só
foram verdadeiramente compreendidos quando, por um lado, o estudo do pensamento
oriental e, pelo outro, as novas concepções da ciência relativamente ao
universo, mostraram a profundidade dos seus dados. O hedonismo e o pirronismo
antigos serviram sempre ao pensamento ocidental de defesa contra os excessos do
dogmatismo e do ascetismo.
O
mesmo se pode dizer das nossas vidas individuais. Decerto algum homem ou alguma
mulher pedirá lições de coragem à sabedoria estóica, comparará as suas noções
sobre o amor com a de Platão, do tempo com as de Zenão de Eleia, ou algum
espírito apaixonado de realidade pura beberá nas fontes do Tao-Te-King.
A
Última Olímpica
Há
vitórias e uma volta da roda transforma-as em derrotas; há derrotas e a justiça
divina dá-lhes com o tempo o aspecto de vitórias: Olímpia, cidade onde se gemeu
por não se ter ganhado a coroa, onde se chorou de alegria por havê-la
conquistado e onde agora mais não resta do que obter a aprovação muda do silêncio
e o ramo que a imparcialidade do vento entrega ao acaso. Um vale suave qual
palma de mão humana atravessada pela linha do coração de uma ribeira, pela
linha da vida de um rio e onde se abaula a leste o monte de Júpiter, franqueado
pelo sol da manhã como se por um disco lançado por um lutador. Outrora, no tempo
em que a Grécia era uma Índia pejada mas não sobrecarregada de deuses, uma
equipa de sacerdotes entregava-se aqui a esfregar com azeite a estátua colossal
do Zeus de Vitória na mão. Não podemos deixar de admirar sem reservas esse deus
de marfim e de ouro cuja menção basta para nos lembrar que Olímpia foi um lugar
aonde se vinha para orar, mas também para receber coroas.
Porém,
antes da introdução do culto de Zeus, outras estátuas imperavam aqui, estátuas
de mulheres: Hera de olhos bovinos, eterna como a erva, pacífica como os
animais dos campos. O Zeus mais tardio não passa de uma imitação barbuda dessa
grande fêmea venerável. Tal como em La
Géante, um dos poemas em que Baudelaire atinge a Grécia dos mitos porque
não a procurou, estamos aqui sobre os joelhos de uma mulher divina. Os
pinheiros umbrosos são a sua cabeleira, em que oliveiras misturam fios
cinzentos; os cursos de água são as suas veias; o turbilhão das vitórias mais não
é do que um voo de pombas de penugem branca dispersa pelos séculos. Os robustos
atletas eram, sem dúvida, jovens árvores; os suplicantes, troncos erguendo ao
céu os seus dois ramos. Tudo aqui proclama não tanto a metamorfose quanto a
profunda identidade. Até algumas colunas ainda enraizadas neste solo parecem espantar-se
de não deitarem ramos ou de não darem flores, como as ninfas que se tornavam
arbustos, como os rapazes que se tornavam narcisos ou jacintos.
Os
joelhos da Terra são macios aos frutos, aos corações caídos. Há que vir aqui
para ver derrota e triunfo fundirem-se num todo que nos ultrapassa, mas que,
sem nós, estaria incompleto. Entre a vida e a morte, entre a alegria e o seu
contrário, há luta, tréguas e finalmente acordo. Acordo: a flauta de um pastorzinho
que passa modula essa palavra na língua do buxo, na língua do junco. Esse som
apenas perceptível insere-se no silêncio em lugar de quebrá-lo. O segredo mais
profundo de Olímpia está nesta única nota pura: lutar é um jogo, viver
é um jogo, morrer é um jogo; perda e ganho mais não são que diferenças passageiras,
mas o jogo reclama todas as nossas forças e a sorte, por aposta, aceita tão somente
os nossos corações». In Marguerite Yourcenar, En Pélerin et
Étranger, Gallimard, 1989, Peregrino e Estrangeiro, Ensaios, Livros do Brasil,
Lisboa, 1990.
Cortesia
LBrasil/JDACT