terça-feira, 16 de setembro de 2014

Cavaleiro de Oliveira. Aventureiro do Século XVIII. Artur Portela. «… o protestantismo deste homem é dado por Gonçalves Rodrigues ou como oportunista ou/e como superficial. (…) É, não o mistério da carta roubada, que isso só será no século seguinte, mas o mistério dos documentos sonegados»

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As questões
«O Cavaleiro de Oliveira é dado como escritor estrangeirado que começa libertino e acaba protestante. Mas, por um lado, é dado como estrangeirado menor: não é, de todo, nem um Verney, nem um Alexandre de Gusmão, nem um Luiz da Cunha. Por outro lado, os estrangeirados são, a, convite recente de Jorge Borges Macedo, um conceito a rever, e, de alguma forma, a despromover. Por outro lado, a libertinagem do Cavaleiro parece ser insistentemente contestada pelos seus protestos casamenteiros, moralizadores e machistas. Por outro lado, e ainda, o protestantismo deste homem é dado por Gonçalves Rodrigues ou como oportunista ou/e como superficial. Mais: abatem-se sobre este homem suspeitas graves. É, não o mistério da carta roubada, que isso só será no século seguinte, mas o mistério dos documentos sonegados. E desesperadamente negociados. Não tem sorte, o Cavaleiro de Oliveira. Nem escritor nem estrangeirado, nem libertino nem protestante.
E, no entanto, o Cavaleiro de Oliveira seria, não fundamentalmente o escritor, não essencialmente o candidato a estrangeirado, não predominantemente o libertino, não basicamente o campeão do protestantismo português, mas sobretudo o aventureiro do século XVIII. O que possa ser isso, de aventureiro, e de aventureiro do século XVIII, o significado que isso possa ter, social, cultural, historicamente, tentaremos vê-lo adiante. Para já, fiquemos pela distinção, referida ao Cavaleiro de Oliveira. É que escritores, estrangeirados ou não, tivemo-los mais sistemáticos. Libertinos, decerto os tivemos mais coerentes. Protestantes, decerto os tivemos mais consistentes. Aventureiros galantes, talvez não tenhamos tido, no século XVIII, outro tão rico, tão móvel, tão cambiante, tão travestido, tão capaz de ser lisboeta em Lisboa, vienense em Viena, holandês na, Holanda, protestante na Inglaterra, e tão capaz de dar a cada cidade vários nomes de mulher, de amar muitas e de casar com algumas, tão amputado do meio português, tão cosmopolita, tão lançado à descoberta da Europa, tão portuguesmente achador, embora em terra firme, tão portuguesmente achador, embora de cidades, tão ainda aristocrático e tão já afeito ao exercício do livre-exame, e de tudo isso ir deixando memória, viva, álacre, combativa, como Francisco Xavier Oliveira, o Cavaleiro de Oliveira. Seria aí, nessa complexidade dinâmica, nessa contradição em movimento, nesse jogo, nessa, aventura, que estaria o homem, socialmente, culturalmente. Especificamente». In Artur Portela, Cavaleiro de Oliveira, Aventureiro do Século XVIII, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Temas Portugueses, Lisboa, 1982.

Cortesia da INCM/JDACT