As
questões
«O
Cavaleiro de Oliveira é dado como escritor estrangeirado que começa
libertino e acaba protestante. Mas, por um lado, é dado como estrangeirado menor:
não é, de todo, nem um Verney, nem um Alexandre de Gusmão, nem um Luiz da
Cunha. Por outro lado, os estrangeirados são, a, convite recente de Jorge
Borges Macedo, um conceito a rever, e, de alguma forma, a despromover. Por outro
lado, a libertinagem do Cavaleiro parece ser insistentemente contestada pelos
seus protestos casamenteiros, moralizadores e machistas. Por outro lado, e
ainda, o protestantismo deste homem é dado por Gonçalves Rodrigues ou
como oportunista ou/e como superficial. Mais: abatem-se sobre este homem
suspeitas graves. É, não o mistério da carta roubada, que isso só será no
século seguinte, mas o mistério dos documentos sonegados. E desesperadamente
negociados. Não tem sorte, o Cavaleiro de Oliveira. Nem escritor nem estrangeirado,
nem libertino nem protestante.
E,
no entanto, o Cavaleiro de Oliveira seria, não fundamentalmente o escritor, não
essencialmente o candidato a estrangeirado, não predominantemente o libertino,
não basicamente o campeão do protestantismo português, mas sobretudo o
aventureiro do século XVIII. O que possa ser isso, de aventureiro, e de aventureiro
do século XVIII, o significado que isso possa ter, social, cultural,
historicamente, tentaremos vê-lo adiante. Para já, fiquemos pela distinção,
referida ao Cavaleiro de Oliveira. É que escritores, estrangeirados ou não, tivemo-los
mais sistemáticos. Libertinos, decerto os tivemos mais coerentes. Protestantes,
decerto os tivemos mais consistentes. Aventureiros galantes, talvez não tenhamos
tido, no século XVIII, outro tão rico, tão móvel, tão cambiante, tão travestido,
tão capaz de ser lisboeta em Lisboa, vienense em Viena, holandês na, Holanda,
protestante na Inglaterra, e tão capaz de dar a cada cidade vários nomes de
mulher, de amar muitas e de casar com algumas, tão amputado do meio português,
tão cosmopolita, tão lançado à descoberta da Europa, tão portuguesmente achador,
embora em terra firme, tão portuguesmente achador, embora de cidades, tão ainda
aristocrático e tão já afeito ao exercício do livre-exame, e de tudo isso ir
deixando memória, viva, álacre, combativa, como Francisco Xavier Oliveira, o
Cavaleiro de Oliveira. Seria aí, nessa complexidade dinâmica, nessa contradição em movimento, nesse jogo,
nessa, aventura, que estaria o homem, socialmente, culturalmente. Especificamente». In
Artur Portela, Cavaleiro de Oliveira, Aventureiro do Século XVIII, Imprensa
Nacional-Casa da Moeda, Temas Portugueses, Lisboa, 1982.
Cortesia
da INCM/JDACT