«(…) E logo vem uma proveitosa notícia, autêntica, subscrita desta
forma pelo padre Diogo: E ainda hoje
estão na cerca de S. Francisco desta cidade umas casas que agora servem dos
azeméis dos religiosos e de palheiros, onde pousava este, frei Baltasar,
bispo de anel que era pois como se sabe, um coadjutor expressamente
destinado às consagrações e ordenações. São muito importantes, em nosso
entender, as informações do padre Soto Mayor, importantes para a história de
Portalegre, sem dúvida, mas ainda mais para o conhecimento da vida e práticas
do bispo aqui instalado. Pormenores inéditos apresentam-se de tal modo
sugestivos, como o caso da negociação da rainha e
do respectivo diálogo e da referência a desgosto que
dele tinha a rainha, assim como da presença deste frei Baltasar como
coadjutor, e outros mais sinais que se revelam no texto do Tratado da Cidade,
merecem e justificam uma cuidadosa e aprofundada investigação histórica. Construiu,
como já se percebeu, à sua custa o Convento
de S. Bernardo com muita soma de dinheiro de Alcobaça, preferindo o
sítio da Fontedeira em Portalegre ao assento das proximidades de Marvão.
O bispo Jorge
viveu, pelo menos nos últimos anos da sua vida, em casas anexas ao Convento,
que em tempo do historiador padre Diogo serviam de tulha; nelas
falecendo desta vida terrena no dia 5 de Agosto de 1548, óbito que não lográmos encontrar registado nos arquivos
locais consultados. Este o perfil do homem e do bispo que veio instalar-se
nesta cidade, tornando-a episcopal»
e episcopável pela sua
presença histórica. Episcopal
porque, de facto, Portalegre, inesperadamente residência de um bispo, o
da diocese a que pertencia, se tornou por tal razão sede dela, mesmo sem igreja
catedral; assento prelatício desde 1516,
desta forma; e, de igual modo, tornou-se episcopável,
ou seja, capacitada e potencial sede de um bispado, antecipando de 33
anos a realidade consumada em 1549,
precisamente um ano depois do falecimento do titular egitaniense. Demonstrou
decerto esta feliz circunstância a notoriedade de Portalegre, comparada com
outras localidades, mais ou menos importantes da área meridional da diocese,
enobrecida desde 1533 (Janeiro 3)
como sede de comarca, com sua correição e provedoria.
Por sua morte se partiu o
bispado, lembra o padre Soto Mayor, e ficou do Tejo para cá ao de Portalegre (…).
E como nesta conjuração, diz ainda noutro passo o mesmo cronista, falecesse
nesta cidade, que ainda era vila, o bispo Jorge de Melo, bispo da Guarda. O bispo Julião, refere-se a Julião Alva
então prior da diocese de Lamego, que pedira à rainha, de quem era confessor, o
fizesse bispo, vendo esta ocasião, não lhe passou por alto. Tratou com a rainha
(D. Catarina) e esta com el-rei (João III), que dividissem o
bispado e fizessem de um, dois (…). A verdade é que assim se procedeu até à
erecção da nova diocese (bula papal de Paulo III) e o bispo Julião Alva
veio a tomar posse pela mão do notário apostólico Sebastião Andrade, que fora servidor do bispo Jorge de Melo, já no ano de 1550.
Acaso, quando a outra rainha (D. Maria de Castela) forçou Jorge
ao escambo de Alcobaça pela Guarda, se se
procedesse à divisão territorial desta extensíssima diocese não poderia ter
sido o bispo Jorge o primeiro
titular do novo bispado? Teria porventura o bispo Jorge pensado nesta hipótese quando decidiu escolher para o
exílio voluntário uma das povoações mais distantes da igreja da Guarda, situada
para além do Tejo, invocação geográfica importante da bula papal? Ao
confrontarmos em termos cronológicos, os diversos factos históricos que se
ligam a Portalegre e nesta cidade se interceptam, parece-nos ser de oportuna
reflexão, interrogarmo-nos sobre as possíveis e prováveis relações pessoais de
bom entendimento entre o bispo Jorge de Melo e o próprio rei João III. Terá o monarca intervindo de algum modo
no projecto de reforma das dioceses do Sul, entretanto iniciada?
Recordemos, p. ex., que nas décadas imediatamente anteriores se criaram, por
desmembramento de Évora, as de Elvas e Beja. Recordemos também que João III
estanciava com frequência em Évora; e entre 1533 e 1536 assim
aconteceu sem interrupção, ali estabelecendo por 3 anos sucessivos a capital do
reino, por via da peste que assolara Lisboa e pelo gosto e afecto que o atraiam
à nobre capital alentejana, aí mesmo onde reunira cortes em 1535 (Janeiro 13) nas quais então,
sublinhe-se, estivera presente o bispo Jorge de Melo. Apesar de, e para além
dos dislates e irreverências do reverendíssimo bispo, coexistindo num tempo
comum e num espaço próximo, poder-se-iam ter encontrado o bispo e o rei, discutindo
questões de interesse mútuo, ambos admiradores da arte e da cultura, como se
comprova pelas obras que ambos legaram à história». In Ibn
Maruán, Manuel Inácio Pestana,
Revista Cultural do Concelho de Marvão, Coordenação de Jorge Oliveira, nº 4,
1994.
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