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Aliás, sobre assuntos estratégicos portugueses, sabe-se mais no estrangeiro do
que em Portugal. Os debates parlamentares sobre defesa nos países da NATO, as
revistas especializadas e os estudos dos centros de investigação (públicos e
privados) são mais férteis em informações portuguesas do que as instituições
nacionais. É sabido que, num mundo de crescente negociação e multilateralismo consolidado,
o domínio público é muitíssimo mais vasto do que há dez ou vinte anos. Menos em
Portugal. Perto da defesa, a segurança é igualmente domínio de opacidade. Nos
textos legais e na acção, a segurança é sempre bem mais segurança do Estado do
que dos cidadãos. O que se passa nas esquadras, nas prisões, nos departamentos
ministeriais e até nos tribunais é geralmente confidencial, pelo menos
sensível. Nesses locais, onde as liberdades e os direitos dos indivíduos são postos
em crise, nesses locais onde, por isso mesmo, toda a abertura deveria ser
especialmente cuidada, pois é aí onde, também, a reserva é, a regra. Quando não
a mentira, irmã, gémea do silêncio.
A
maior parte das instituições não desvenda as contas, os relatórios ou os
programas. Autarquias, hospitais, escolas, universidades, institutos e
direcções-gerais mantém opaco véu sobre os seus dinheiros e actividades. Quando
revelam algo, é quase sempre de modo incompleto e camuflado. Como aliás o fazem
as empresas públicas, cujo verdadeiro estado de saúde é raramente conhecido, a
não ser pelo único accionista, o Estado, ou antes, pelo ministério da tutela.
Há empresas públicas tecnicamente falidas ou em crónica situação de ruptura
(como certos bancos, por causa dos créditos mal parados e das pensões), mas o diagnóstico
real, para já não dizer o pormenor, não é conhecido, muito menos divulgado por
quem tem a responsabilidade de o fazer.
Sei
que a maior parte dos cidadãos não se interessa, ou não tem formação para ler
espessos relatórios contabilísticos. Mas o problema não é esse. A informação,
em sociedade aberta, tem formas muito diversificadas. Entre, por um lado, as
entidades burocráticas e empresariais e, por outro, a opinião pública, há uma multidão
de políticos, jornalistas e especialistas a quem compete discutir e divulgar a
informação sofisticada e hermética. Ora, a dificuldade reside justamente aí: se
o público informado não tem acesso à informação, é o grande público que é
mantido na ignorância. Os assuntos europeus são sistematicamente tratados com irremediável
opacidade. Trata-se, para além da mitologia da política externa, de negociações
permanentes. Quer isto dizer que impera uma regra de conduta: só se informa no
fim e só se divulgam os bons resultados. Nem a importância das questões europeias
tem demovido políticos e funcionários. Queixam-se os eleitos, os parceiros
sociais, as empresas, os estudiosos e a imprensa. A propósito de uma questão
europeia, qualquer político nos dirá, com meio sorriso de inteira
auto-suficiência, que é matéria sensível, que só depois de terminadas as
negociações, que é o interesse nacional que está em jogo... Curioso, no
argumento, é a inversão de valores. A delicadeza,
a sensibilidade das matérias, as negociações em curso e o interesse nacional são factores que, justamente,
reclamariam mais abertura! Mas não.
A ortodoxia transformou-os em argumentos a favor do secretismo». In
António Barreto, Os Silêncios do Regime, Ensaios, Imprensa Universária, nº 96,
Editorial Estampa, Lisboa, 1992, ISBN 972-33-0877-0.
Cortesia
de Estampa/JDACT