terça-feira, 2 de setembro de 2014

O Mouro Lazeraque e o Infante Fernando. Um ‘Exemplum’ de Jerónimo Osório. João Nunes Torrão. «Mas o exército cristão vai sofrer um revés, resultado de uma traição, diz Osório e, como consequência, o ‘Infante Fernando’ fica preso às ordens dos mouros para, mais tarde, sofrer a deportação para o interior da Mauritânia»

Cortesia de wikipedia e jdact

O Mouro Lazeraque e o Infante Fernando
«(…) Osório, ao responder a uma interpelação de Agustin, pretende demonstrar que as opiniões manifestadas pelas multidões sobre os mais diversos assuntos não diferem, no essencial, das opiniões defendidas pelos homens sábios. E, para melhor defender esta ideia, vai servir-se de alguns exemplos: assim, inicialmente, tenta comprovar, através da utilização do exemplo de Príamo, que os próprios inimigos reconhecem a virtude e o valor, mesmo quando estes se encontram nos seus antagonistas. Mas, para que a demonstração seja ainda mais convincente e prove, afinal que há em todos os homens, de forma inata, uma opinião correcta e justa, vai apontar vários casos em que inimigos públicos e declarados da virtude deram mostras de uma profunda admiração por aqueles que a praticavam e, em outros casos, chegaram mesmo a pô-la em prática, dentro de alguns aspectos particulares. O primeiro dos exemplos apontados é uma personagem de Eurípides, Fedra, e Osório chega mesmo a apresentar uma tradução de sua autoria dos versos de Hipólito.
Depois faz também uma breve referência à figura de Medeia para, de seguida, deslocar a sua intervenção do campo das fábulas, como ele próprio diz, para o de algumas personagens históricas. A primeira que nos é apresentada é Dion, tirano de Siracusa, que, apesar de todos os seus crimes, fica profundamente impressionado com a amizade de dois discípulos de Pitágoras e chega mesmo a desejar entrar no círculo dessa amizade; volta ainda a referir-se a esta personagem para narrar a frontalidade e dignidade com que a irmã o enfrentou. Faz depois uma breve referência ao tratamento que o filho deste tirano deu ao filósofo Platão e vai demorar-se algum tempo a apresentar a figura de Nero. Chega, finalmente, a descrição da morte do Infante Fernando que tem como objectivo imediato utilizar em favor das ideias que está a defender a reacção de Lazeraque a essa mesma morte. Logo após esta descrição, Osório apresenta o seu comentário às palavras de Lazeraque, reforçando, através da repetição e de algumas considerações complementares o ponto de vista que pretende demonstrar.
Esta apresentação da morte do Infante Fernando é feita de uma forma muito sintética, mas sem, no entanto, deixar de referir de modo claro os dados que, na sua óptica, são fundamentais. Assim, começa por chamar a atenção do seu antagonista para o facto de ir utilizar um exemplo que se refere a uma personalidade da história portuguesa:
  • In re tamen adeo perspicua unico tantum eoque recenti atque domestico contentus ero (Contudo, em assunto tão evidente, vou limitar-me a um único exemplo e mesmo este recente e nacional).
Faz, em seguida, a idenficação da personagem em causa, através da referência ao nome próprio e ao nome do pai, e situa a acção em termos cronológicos e de espaço geográfico, com o registo do reinado do rei Duarte I e da deslocação para África. Indica ainda que, do ponto de vista militar, a situação nesta campanha africana era a vitória das tropas portuguesas:
  • Fernandus quidam fuit regius Lusitaniae prínceps, Ioannis regis hoc nomine primi filius. Is, defuncto patre, cum ab Eduardo rege illius fratre exercitum cum imperio obtinuisset, in Africam traiecit atque signis collatis ita parua manu cum innumerabili hostium multitudine saepe conflixit ut sempre ex illis uictorium reportaret (D. Fernando foi um magnânimo príncipe português, filho do rei D. João, o primeiro com este nome. Este príncipe, após a morte do seu pai e depois de obter do rei D. Duarte, seu irmão, o comamdo de um exército, passou a África. Aí, em batalha campais, lutou muitas vezes com pequenos contingentes contra uma multidão inumerável de inimigos e com tal denodo que sobre eles sempre alcançou vitória).
Mas o exército cristão vai sofrer um revés, resultado de uma traição, diz Osório e, como consequência, o Infante Fernando fica preso às ordens dos mouros para, mais tarde, sofrer a deportação para o interior da Mauritânia:
  • Sed tandem effectum est ut insidis oppressus in hostium potestatem perueniret et in mediterrâneas Mauritaniae regiones deportaretur (Ora, sucedeu, por fim que, vencido à traição, caiu em poder dos inimigos e foi deportado para as zonas interiores da Mauritânia)».
In João Manuel Nunes Torrão, O Mouro Lazeraque e o Infante Fernando. Um ‘Exemplum’ de Jerónimo Osório, Revista Biblos, volume LXVII, Universidade de Coimbra, 1991.

Cortesia de Biblos/JDACT