«(…) Coagido a largar o rico priorado de Alcobaça amuou-se, lê-se em José Osório da Gama Castro, e entrou em verdadeira fúria, prometendo a si próprio desempenhar-se o pior possível do novo cargo, e prejudicar quanto coubesse em sua alçada a pobre diocese egitaniense que, apesar de servir de prémio de consolação ao voluptuoso prelado, ele ficara aborrecido por lhe lembrar o seu desaire» (…). A resistência à sua colocação na cidade da Guarda atitudes rebeldes daí consequentes provocam um processo disciplinar na Cúria Romana, acusando de abuso e contumácia, que conduz à excomunhão maior, suspensão a divinis com multas, proibição de entrar na igreja, etc, de tal modo se comportando que o papa Paulo III em 1545 ordenou ao Núncio de Lisboa se encarregasse da administração da diocese. É discutível se o novo bispo fez alguma coisa pela sua catedral no sentido de prosseguir e acabar as obras em curso desde o séc. XIV, para os quais teria sido constrangido a conceder subsídios, tese aliás, pouco provável porque havia verbas para o efeito. No entanto, refere Gama Castro que consta terem sido de uma iniciativa e de seu compromisso o lajeamento geral e a abóbada artesoada do coro de cima em cujos fechos se ostentam as armas heráldicas dos Melos, assim como numa das primitivas portas manuelinas. Ao tempo do seu governo diocesano, que durou 29 anos, corresponde, de facto, o andamento das obras, cujo acabamento se previa para o ano de 1540, mas só aconteceu 10 anos mais tarde, 1550. De qualquer modo, não seria rigorosamente necessário para o efeito, a presença do bispo da diocese. Bem ocupado andou ele todo esse tempo com as obras que empreendeu em Portalegre, essas sim custeadas pela sua farta bolsa. Fortunato Almeida, que bebeu a principal biografia do bispo Jorge de Melo em frei Manuel Santos, Alcobaça Ilustrada, e outros mais biógrafos de enciclopédias, nada mais, acrescentam de interesse a partir da fixação do bispo em Portalegre, ou melhor, desde a intervenção papal no polémico processo que o envolveu.
Vale-nos
então o padre Diogo Pereira Soto Mayor, conhecido autor do Tratado da Cidade de Portalegre,
redigido no ano de 1619, e só
impresso em 1919, 1ª edição e 1984, 2ª edição, autor que viveu entre 1550/60
e 1632 (morreu em 6 de Agosto). Não tendo, embora, conhecido já o
bispo Jorge, dele terá tido
indubitavelmente certificadas notícias pela memória que deixou na nossa cidade
o bispo exilado, auto-exilado,
diz este indigno capelão em a Santa Sé de
Portalegre, como ele próprio se intitula, que deu entrada o bispo Jorge na então vila de Portalegre no
dia 23 de Abril de 1526,
rotulando-o como um senhor dos principais
fidalgos deste reino e conta a seguir, a conhecida história do encontro
dele com o cardeal Jorge da Costa em Roma e da sua passagem daí para Alcobaça,
onde se fez clérigo cisterciense e abade, e finalmente o negócio, igual a negociação, da
Rainha que forçou a sua saída para a Guarda. Bem curiosa é, não só a
notícia apresentada pelo padre Soto Mayor, como também a linguagem e a
argumentação usada nessa negociação: Outros
dizem que a Rainha desejava aquela abadia para seu filho, o cardeal Afonso, e
que, estando um dia de Reis em Alcobaça, se foi falar com o abade e lhe
permitiu Reis como se costuma em Portugal, que em Castela, para pedirem
Reis, dizem Aguinaldo. Assi que o abade respondeu à Rainha que visse
Sua Alteza o que queria e ela dixi: que aquela abadia pera seu filho D.
Afonso, D. George, ou por fás ou por nefas, houve de lha dar…, que é,
como quem diz que forçadamente, sem
considerar das razões e da justiça ou considerar de tal concessão.
Mas, adianta o narrador, o mais certo de tudo é que a rainha estava desgostosa do abade por certo
respeito e, juntamente pelo interesse de agasalhar ali o filho (porque
tinha muitos), pediu a el-rei que o tirasse dali, com lhe dar de comer em
outra parte, o que el-rei fez, com lhe dar em satisfação o bispado da Guarda,
que ele aceitou muito contra sua vontade. Mas como à (vontade) dos reis
não há resistência, foi-lhe necessário dissimular sua mágoa, que foi tanta que dizem
que nunca entrou na Guarda, e para consagrar os santos óleos e
fazer ordens, tinha um bispo de anel,
frade de S. Francisco, que se chamava frei Baltasar, muito grande letrado e seu
pregador». In Ibn Maruán, Manuel Inácio Pestana,
Revista Cultural do Concelho de Marvão, Coordenação de Jorge Oliveira, nº 4,
1994.
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