Poesia
«Cessa
o teu canto!
Cessa,
que, enquanto
o
ouvi, ouvia
uma
outra voz
como
que vindo
nos
interstícios
do
brando encanto
com
que o teu canto
vinha
até nós.
Ouvi-te
e ouvi-a
no
mesmo tempo
e
diferentes
juntas
cantar.
E a
melodia
que
não havia,
se
agora a lembro,
faz-me
chorar.
Foi
tua voz
encantamento
que,
sem querer,
nesse
momento,
vago
acordou
um
ser qualquer
alheio
a nós
que
nos falou?
Não
sei. Não cantes!
Deixa-me
ouvir
qual
o silêncio
que
há a seguir
a
tu cantares!
Ah,
nada, nada!
Só
os pesares
de
ter ouvido,
de
ter querido
ouvir
para além
do
que é o sentido
que
uma voz tem.
Que
anjo, ao ergueres
a
tua voz,
sem
o saberes
veio
baixar
sobre
esta terra
onde
a alma erra
e
com as asas
soprou
as brasas
de
ignoto lar?
Não
cantes mais!
Quero
o silêncio
para
dormir
qualquer
memória
da
voz ouvida,
desentendida,
que
foi perdida
por
eu a ouvir…»
Poema de Fernando Pessoa, in ‘Poesia’