sábado, 6 de setembro de 2014

Sancho I. O Filho do Fundador. Maria Violante Branco. «No próprio ano em que Sancho I nasceu, 1154, Henrique II de Inglaterra casava com Leonor da Aquitânia, ex-mulher do rei de França, numa aliança que daria imediatamente origem à renovação das velhas questões entre a Inglaterra e a França»

jdact e wikipedia

A Longa Espera pelo Trono. O mundo que viu Sancho nascer e crescer
«(…) Com efeito, os primeiros vinte anos de pontificado de Alexandre III foram passados por entre cismas e heresias, desde os mais violentos episódios da condenação aos albigenses, em Tours, em 1163, ao assassinato do arcebispo Thomas Beckett em 1170 e ao permanente jogo entre o papado e o império das potências itálicas e sicilianas. Ao contrário do que São Bernardo e o Papado tinham imaginado, as duas primeiras Cruzadas não tinham conseguido unificar os reinos cristãos, facto que as desavenças entre os reis cruzados, especialmente entre o rei de Inglaterra e o rei de França, ilustravam de forma tristemente eloquente, até à saciedade. Os reis destes dois reinos, para além de terem aderido ao ímpeto de partir em Cruzada para libertar a Terra Santa, não deixavam de estar também muito empenhados em afirmar a supremacia e independência dos respectivos reinos face a todos os restantes poderes.
Desde então e até finais do século XII ir-se-ia assistir ao que se costuma chamar o nascimento das monarquias nacionais, ou seja, o esforço de contrariar as tendências anteriores de fragmentação do poder em reinados baseados exclusivamente em relações feudais de interdependência pessoal, e a tentativa de estruturar reinos baseados em princípios de governação e administração mais racionalizados e mais impessoais, nos quais a territorialização dos reinos surge como um vector muito mais relevante que as relações pessoais. Ao mesmo tempo, insiste-se na valorização do carácter público e suprapessoal do rei e do reino, com o apoio dado pelos princípios imperiais e romanos que renasciam nesta época pelo reanimar dos estudos de direito romano e canónico nas universidades e pela entrada desses intelectuais, em força e com bastante poder, nas estruturas de governação destes reinos.
Decididos a imitar nos seus próprios reinos os princípios pelos quais o próprio Império se regia, os reis de Inglaterra e da França, ou os seus conselheiros por eles, ungidos e sacralizados pelo poder pontifício, propunham a partir de agora uma total liberdade em relação ao imperador, com base numa máxima que fez história, a de que o rei é imperador dentro do seu próprio reino, (rex imperator in regno suo), afastando assim, gradual mas decididamente, o espectro das anteriores monarquias feudais, baseadas exclusivamente nos laços de relações interpessoais, e o da supremacia do império em relação aos reinos. E mudando também, consequentemente, os anteriores modelos de inter-relacionamento com o próprio papado.
No próprio ano em que Sancho I nasceu, 1154, Henrique II de Inglaterra casava com Leonor da Aquitânia, ex-mulher do rei de França, numa aliança que daria imediatamente origem à renovação das velhas questões entre a Inglaterra e a França. As conhecidas repercussões políticas deste matrimónio, sobretudo sensíveis na perda territorial que a alienação da Aquitânia significou para o ex-marido de Leonor, Luís VII de França, dariam o mote para o recomeço das guerras entre o filho deste, Filipe Augusto, e Henrique II de Inglaterra, mal Filipe sucedeu e seu pai no trono francês, em 1180. Em Inglaterra, entre 1160-1164, e depois em 1170, e em França, durante os anos finais de Luís VII e de Filipe Augusto, as questões levantadas pelos conflitos entre os poderes espirituais e temporais, nomeadamente na relação dos monarcas com o papado e com o império, Parecem ter pautado a correspondência entre todos os envolvidos no processo.
O mais marcante dos episódios desta luta foi, porventura, o já mencionado assassínio do arcebispo de Cantuária, Thomas Beckett, perpetrado por ordem do rei Henrique II, em 1170, na sequência da recusa do arcebispo em aceitar as determinações régias que limitavam o poder da Igreja nesse reino. O acontecimento marcaria toda a cristandade e repercutir-se-ia em territórios tão distantes do centro da cristandade como Portugal, onde se atesta o culto a este santo desde muito cedo, provavelmente fruto do fluir populacional que as Cruzadas implicavam, mas também por se tratar de um assunto tão relevante para qualquer reino e seus poderes. Este caso serviria ainda como pivô das consequentes políticas pontifícias nesses reinos. A região central que os reinos de Inglaterra e França ocupavam foi decerto o cerne de alguns dos mais importantes desenvolvimentos desta segunda metade do século XII. Os casamentos sucessivos de Leonor da Aquitânia e as políticas e papel jogados por seus maridos e filhos e pelos filhos deles determinaram todo o xadrez político de uma zona onde dois poderes maiores se digladiavam pela posse territorial que ambos reclamavam». In Maria João Violante Branco, Sancho I, O Filho do Fundador, Temas e Debates, Livraria Bertrand, 2009, ISBN 978-972-759-978-3.

Cortesia de Bertrand/JDACT