terça-feira, 30 de setembro de 2014

O Complexo de Culpa do Ocidente. Pascal Bruckner. «… graças a eles tudo se torna claro, o mal passa a ter um rosto e os facínoras são reconhecidos por todos. 'A culpa é biológica, política e metafísica'. E uma vez que já não acreditamos no reino da redenção…»

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Os Propagandistas do Estigma. Os Flagelantes do Mundo Ocidental
«(…) Acreditais num antagonismo radical entre os Estados Unidos e a Al-Qaeda? Como sois infantis são cúmplices. Afinal de contas, o que é o terrorismo? Um simples ajuste de contas entre estados sem escrúpulos, nos quais se inclui a América, que se equivalem: Estaria em curso uma poderosa racionalização, premeditada ou não. Consiste em acusar e difamar estados ditos sem escrúpulos e indiferentes ao direito internacional. Esta racionalização é manobrada pelos estados hegemónicos, encabeçados pelos Estados Unidos, que foram denunciados (por Chomsky, entre outros) há já muito como Rogue States. Aliás, todos os estados soberanos reúnem as condições a priori para abusarem do seu poder e transgredirem o direito internacional, tal como um estado sem escrúpulos. Em todos os estados, há um potencial para a falta de escrúpulos.

A Sede de Punição
Pobre Europa! Hoje tal como ontem, exala um odor fétido a carne putrefacta e o seu Passado contamina o presente como lepra. Inevitavelmente, os sintomas reincidem no presente. Consideremos, por exemplo, as salas de espera onde são retidos os estrangeiros que pedem asilo ou estão em situação irregular. Não são com certeza comparáveis aos campos nazis. Todavia, no seio das sociedades democráticas, partilham certos traços essenciais que definem o paradigma do campo de concentração, ou seja, segundo Giorgio Agamben, são espaços que surgem quando e excepção começa a tornar-se regra (...), são lugares de não-direito. Ora, porque nos espantamos se somos fulminados por um raio e vítimas da cólera dos deuses?
Como ousamos julgar as diversas barbáries que assolam a humanidade, nós que, ao longo da História, demos prova de uma selvajaria sem igual? Pagamos a factura de uma mácula imemorial e somos retroactivamente responsáveis pelos horrores cometidos pelos nossos antepassados ou pelos europeus em geral. É caso para citar o salmista: Purificai-me, ó Deus, pelos pecados que não recordo e perdoai-me pelos dos outros. Admiremos uma vez mais o talento com que é recriada a culpabilidade, reinventada pela classe dos filósofos. Porque ser europeu é carregar um fardo de vícios e torpezas que nos marca como estigma, é reconhecer que o homem branco semeou a morte e a ruína em toda a parte. Para ele, existir é sobretudo desculpar-se.
A ferocidade é branca, como indica a advogada colombiana Rosa Plumelle-Uribe no título do seu livro. É branca e não negra ou vermelha: o homem branco está geneticamente predisposto a matar massacrar e violar e demarcou-se do resto da humanidade para escravizá-la. É mais forte do que ele. A cor da sua pele não é apenas um caso de pigmentação, é um defeito moral, uma falha sem perdão, como explica no seu prefácio à mesma obra o professor Sala-Molins que denuncia a voracidade interesseira (...) das nações brancas cristãs e vê a aventura branca como uma espiral contínua de horror.
O que é afinal o Ocidente? A própria figura de Satã, cuja presença maligna tudo corrompe, uma vez que se dissemina por toda a parte e não conhece limites, e cuja face ora é a de um guerreiro de Papuásia, de um comerciante de tecidos de Cotonou, a de um imã de Qom ora a de um especulador da Bolsa de Londres ou de um operário da Renault. Todo aquele que se faça valer disso é pouco recomendável. É um cenário vertiginoso: a culpabilização do Ocidente permite abarcar a totalidade do real. O europeu e o norte-americano são simultaneamente malditos e indispensáveis: graças a eles tudo se torna claro, o mal passa a ter um rosto e os facínoras são reconhecidos por todos. A culpa é biológica, política e metafísica. E uma vez que já não acreditamos no reino da redenção, tendo em conta que a Ásia, a África e a América Latina abandonaram (provisoriamente?) o seu estatuto de terras redentoras, resta-nos apenas persistir até à náusea neste horror». In Pascal Bruckner, La Tyrannie de la Pénitence, Essai sur le Masochisme Occidental, Editions Grasset Fasquelle, 2006, O Complexo de Culpa do Ocidente. Publicações Europa-América, 2008, ISBN 978-972-1-05943-6.

Cortesia de PEA/JDACT