domingo, 16 de novembro de 2014

Ao Encontro de Espinosa. António Damásio. «Quanto mais complexa a reacção, mais a aprendizagem assume este papel. Reacções como o chorar e o soluçar estão prontas à data do nascimento, mas as razões por que choramos ou soluçamos através da vida variam com a nossa experiência»

Cortesia de wikipedia

Os Apetites e as Emoções.. Nos Ramos Médios
«(…) Comportamentos normalmente associados à noção de prazer (e recompensa) ou dor (e punição). Estes comportamentos incluem reacções de aproximação e retraimento do organismo em relação a um objecto ou situação específicos. Nos seres humanos, que não apenas sentem mas podem também relatar aquilo que sentem, estas reacções são descritas como dolorosas ou aprazíveis, como recompensadoras ou punitivas. Por exemplo, quando os tecidos celulares do corpo estão à beira de sofrer uma lesão, o que acontece no caso de uma queimadura ou de uma infecção, as células da região afectada emitem sinais químicos chamados nociceptivos (a palavra nociceptivo significa indicador de dor). Como resposta e esses sinais, o organismo reage automaticamente com comportamentos de dor e comportamentos de doença. Estes comportamentos são colecções de acções, por vezes subtis, por vezes óbvias, com as quais a natureza tenta restabelecer o equilíbrio biológico de forma automática. Da lista dessas acções faz parte o retraimento do corpo (ou de uma parte do corpo), relação à origem do problema, a protecção da parte do corpo afectada e expressões faciais de alarme e sofrimento. Estas acções são acompanhadas de diversas respostas, invisíveis a olho nu, organizadas pelo sistema imunitário. De entre essas respostas consta o aumento de certas classes de glóbulos brancos, o envio desses glóbulos brancos para as áreas do corpo ameaçadas e a produção de moléculas tais como as citoquinas, que ajudam tanto na luta contra a causa do ataque (o micróbio invasor) como no restauro de um tecido lesionado. É o conjunto destas acções e dos sinais químicos relacionados com a sua produção que resulta na experiência a que chamam a dor.
Da mesma forma que o cérebro reage a um problema que se declara no corpo, também reage quando o corpo funciona bem. Quando o corpo funciona sem dificuldade e quando a transformação e a utilização de energia se desenrolam com à-vontade, o corpo comporta-se com um estado definido. A aproximação em relação a outros é facilitada. Nota-se uma descontracção e abertura do corpo, bem como expressões que traduzem confiança e bem-estar; por outro lado, libertam-se certas classes de moléculas, tais como as endorfinas. O conjunto destas reacções e dos sinais químicos com elas associados resultam na experiência do prazer. A dor ou o prazer têm causas diversas, problemas da função corporal, funcionamento ideal do metabolismo ou acontecimentos exteriores que ameaçam o organismo ou promovem a sua protecção. Mas a experiência da dor ou do prazer não é a causa dos comportamentos de dor ou de prazer, e não é sequer necessária para que esses comportamentos ocorram.
Seres extremamente simples exibem comportamentos emotivos embora a probabilidade de sentirem esses comportamentos seja pequena. Certas pulsões e motivações. Os exemplos principais incluem a fome, a sede, a curiosidade e os comportamentos exploratórios, os comportamentos lúdicos e os comportamentos sexuais. Espinosa colocou todas estas reacções sob a excelente designação de apetites e, com grande refinamento, usou uma outra palavra, desejo, para a situação em que o indivíduo consciente toma conhecimento de um apetite. A palavra apetite designa o estado comportamental de um organismo afectado por uma pulsão; a palavra desejo refere-se ao sentimento consciente de um apetite e ao eventual consumar ou frustrar de um apetite. Esta distinção espinosiana é equivalente à distinção entre emoção e sentimento. É claro que os seres humanos têm tanto apetites como desejos ligados, de forma subtil, às emoções e os sentimentos.

Próximo do Cume
As emoções-propriamente-ditas. É aqui que encontramos as jóias da regulação automática da vida: as emoções no sentido estrito do termo, desde a alegria à mágoa, desde o medo ao orgulho, desde a vergonha à simpatia. E na parte mais alta da árvore, na ponta dos seus diversos ramos, vamos encontrar os sentimentos. O genoma garante que todos estes dispositivos estão activos à data do nascimento, ou pouco depois, com pouca ou nenhuma dependência da aprendizagem, embora a aprendizagem venha a desempenhar um papel importante na determinação das ocasiões em que estes dispositivos virão a ser usados. Quanto mais complexa a reacção, mais a aprendizagem assume este papel. Reacções como o chorar e o soluçar estão prontas à data do nascimento, mas as razões por que choramos ou soluçamos através da vida variam com a nossa experiência. Todas estas reacções são automáticas e, em geral, estereotipadas, embora a aprendizagem possa modelar a execução de certos padrões esterotípicos. O riso ou o choro são executados de forma diferente em circunstâncias diferentes, tal como as notas que constituem a partitura de uma sonata podem ser tocadas de forma diferente. Seja como for, todas estas reacções têm como fim, de forma directa ou indirecta, regular a vida e promover a sobrevida. Os comportamentos de prazer e de dor, as pulsões e as motivações, e as emoções-propriamente ditas, são por vezes designadas pela mesma palavra, emoções no sentido lato do termo, o que é aceitável e razoável dado que todas estas reacções têm uma parecença formal e têm precisamente a mesma finalidade». In António Damásio, Ao Encontro de Espinosa, As Emoções Sociais e a Neurologia do Sentir, Publicações Europa-América, Fórum da Ciência, 2003, ISBN: 972-1-05229-9.

Cortesia de PEA/JDACT