Os homens de Trancoso
«(…) Ao aperceber-se da presença dos contingentes que, cerca de um
quilómetro à frente, lhe barravam a passagem, os castelhanos decidem obliquar
para sul de modo a não se envolverem em confronto directo. Talvez por não
quererem correr o risco de ter que abandonar o valioso espólio até aí obtido,
por se encontrarem bastante fatigados, ou apenas porque pretendiam chegar a
tempo ao local de reunião da hoste de Pedro Tenório, optam, pois, por passar ao
largo da posição portuguesa. A essa manobra, as forças comandadas por Gonçalo
Vasques Coutinho respondem com uma nova movimentação e instalam-se mais a sul,
num local próximo da Ermida de São Marcos, a oeste da qual, assim o esperavam,
voltariam a cortar o passo aos castelhanos.
Estes percebem, então, que o inimigo não estava disposto a desistir dos
seus intentos e que não tinham, portanto, outra solução a não ser aceitar o
desafio e enfrentá-lo em batalha campal, uma decisão que, como regista Ayala,
não foi fácil de tomar, porquanto acarretava enormes riscos. Ainda assim,
confiante na vitória, o comando castelhano opta por mandar apear todas as suas
forças, talvez uma decisão de Juan Rodriguez Castañeda, influenciada pelo que
testemunhara um ano antes em Atoleiros, quando as forças desmontadas de Nuno
Álvares haviam levado de vencida a cavalaria pesada castelhana. Apenas os
ginetes (cavalaria ligeira) permanecem nas suas montadas integrando as duas alas
do dispositivo táctico castelhano, que deverá ter assumido uma configuração
muito próxima daquela que foi adoptada pelas forças lideradas por Gonçalo
Vasques Coutinho.
Estas terão, então, formado duas linhas, isto é, uma vanguarda e uma rectaguarda,
com a mais recuada destas linhas composta essencialmente por homens-de-armas e
a prolongar-se em duas alas, preenchidas, acima de tudo, pela peonagem. Segundo
Salvador Dias Arnaut, talvez a distinção entre a rectaguarda e as alas fosse
pouco perceptível, de tal forma que o dispositivo táctico português acabou por
apresentar um formato semelhante ao de uma meia-lua. As fontes disponíveis são
pouco esclarecedoras a respeito do modo como se desenrolou a batalha, embora
qualquer uma delas refira que foram os castelhanos a lançar-se contra a
formação portuguesa. Seriam, então umas 10 ou 11 horas da manhã. E nos momentos
iniciais, tudo parecia correr de feição para as forças de Juan Rodriguez Castañeda
que, logo nos primeiros momentos da batalha, conseguem provocar a debandada de
muitos dos combatentes apeados portugueses que integravam as alas, boa parte dos
quais apanhados na fuga e dizimados pela cavalaria ligeira castelhana. Pelo
contrário, a vanguarda e a rectaguarda, que entretanto acabariam por se fundir
numa só linha, embora mais extensa para compensar as baixas verificadas nas
alas, conseguiram resistir a todas as investidas adversárias, o que levou a que
a batalha acabasse por se arrastar durante algumas horas, sem se perceber para
que lado iria pender a vitória.
Talvez mais desgastados fisicamente, os homens-de-armas castelhanos
começam, então, a ceder terreno e a sofrer cada vez mais baixas, sinais de uma
derrota iminente. Vendo o colapso das forças envolvidas na mêlée, os pajens que
guardavam as montadas dos cavaleiros que combatiam apeados começam a pôr-se em
fuga. Este episódio teve decerto um enorme impacto no moral daqueles que,
pesadamente armados e sem forma de escapar, perceberam que iriam acabar por se converter
em presa fácil. De facto, assim foi, com o cavaleiros apeados a serem totalmente
dizimados, sobretudo durante a fuga, como era corrente neste tipo de situações,
nomeadamente os principais comandantes, dos quais apenas Álvaro Garcia Albornoz
foi poupado e aprisionado por Gil Vasques Cunha. Só os ginetes, que
permaneceram sempre a cavalo, terão conseguido escapar. É também possível, como
sugere Gouveia Monteiro, que alguns dos prisioneiros portugueses, que foram mantidos
atrás da rectaguarda castelhana, se tenham libertado e ajudado a desequilibrar
a contenda e a acelerar, assim, o fim da batalha». In Miguel Gomes Martins,
Guerreiros Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN
978-989-626-486-4.
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