«Aniversário efeméride dolorosa quando se não espera
sinais de manso dizer de uma esperança
quando desaprendemos de esperar já morremos
o circo fechou as suas luzes e cheira a suor e alvaiade
e encontro esse homem nas tesouras do tempo
no jardim a dormir num banco ramo seco de uma árvore de raiz.
E amo desesperadamente esse pária do banco público
sem nada fazer e tanto sabendo
quantos anos faço hoje? Tantos ritos tanto amor sangrado
cheira a suor e alvaiade
cansados e brancos todos os rostos».
«Acordas líquido no teu sangue sobre meu sangue de asas
paradas
acordas distante e próximo e cantas-me o cântico sem fundo
cantar amigo inimigo cantar dobrado que desde a infância
escutei
e amo-te, amo-te sem saber o objecto amado
sem esquecer todo o óleo derramado em tuas mãos pesadas
de bens que não são os meus
e contudo tudo é amor incoerente e real e que se reconhece
sem coragem de romper os linhos do amanhã
e não te amo não não se ama esta ferida de mistério
que se sente em já saudade de barro húmido
lavrando no beijo a secura da humilde pele
e eu sei o que é amar e ser amada meus olhos limpos não
dizem adeus
e os deuses não esperam».
Poemas de Matilde
Rosa Araújo, in ‘Voz Nua’
In Matilde Rosa Araújo, Voz Nua, Livros Horizonte, Lisboa,
2001, ISBN 972-24-1161-6.
Cortesia de LHorizonte/JDACT