segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Viagens e Diálogos Epistolares na Construção Científica do Mundo Atlântico. Maria da Conceição Tavares. «… a obtenção de dados observacionais dos fenómenos atmosféricos no coração do Atlântico. … a prática da meteorologia nos Açores não era apenas uma questão científica, mas era também uma questão de Estado»

Cortesia de wikipedia

«Os homens que inventaram o tempo, inventaram por contraste a eternidade, mas a negação do tempo é tão vã como ele próprio. Não há nem passado nem futuro mas apenas uma série de presentes sucessivos, um caminho perpetuamente destruído e continuado onde todos vamos avançando. Estás sentado, Gherardo, mas os teus pés estão assentes no solo com a inquietação de quem experimenta o caminho». In Marguerite Yourcenar, ‘O Tempo esse grande escultor’

Introdução
«Esta tese pretende ser um estudo sobre o projecto de criação de um Serviço Meteorológico Internacional nos Açores, no final do século XIX. Certo é que não passou de um projecto, mas o que lhe mantém o interesse enquanto objecto de investigação histórica é o estudo do seu enquadramento no processo de desenvolvimento internacional da meteorologia científica e a avaliação da sua herança institucional interna. De facto, o projectado Serviço Meteorológico Internacional dos Açores, foi uma versão reelaborada, na última década do século XIX, de uma antiga aspiração dos estudiosos da meteorologia na Europa, a obtenção de dados observacionais dos fenómenos atmosféricos no coração do Atlântico. Mas, todo o processo de preparação e de promoção internacional do projecto teve o efeito de demonstrar ao poder político nacional que a prática da meteorologia nos Açores não era apenas uma questão científica, mas era também uma questão de Estado. Ao mesmo tempo que tornava visível, a nível interno, e com importância acrescida no plano internacional, a figura de um militar meteorologista de mérito, Francisco Afonso Chaves. Criar nos Açores uma instituição meteorológica com credibilidade científica internacional tornou-se, em 1900, um imperativo nacional e, assim, em última análise, esta tese acaba por ser o estudo da génese do Serviço Meteorológico dos Açores, criado pelo governo português em 1901, na sequência de um projecto internacional, apresentado pela primeira vez na Conference Internationale des Sciences Géographiques pelo Príncipe Albert I do Mónaco, em Paris, no ano de 1889. Este tema nunca foi anteriormente objecto de um programa de investigação histórica. O projectado Serviço Meteorológico Internacional dos Açores aparece referido em alguns estudos dedicados à vida e obra do coronel Afonso Chave e noutros referentes ao príncipe Albert I do Mónaco, o promotor e patrono deste projecto internacional. No entanto, nesses trabalhos, a génese do projecto e o seu enquadramento no estádio de evolução da meteorologia não são tratados, nem abordados os diferentes contextos políticos que o condicionaram. Nunca se explica também a diferença de natureza e de dimensão entre o primeiro projecto, pensado para ter financiamento e participação científica internacionais, e o subsequente Serviço Meteorológico dos Açores, de responsabilidade exclusivamente nacional. À ausência de razões para a mudança, junta-se uma espécie de equívoco histórico geralmente adoptado pela sociedade e pelo poder da época e que acabou por perpetuar a ideia de que o Serviço Meteorológico dos Açores fora uma concretização nacional do projecto lançado pelo príncipe Albert I do Mónaco. No entanto, há uma publicação, que é uma fonte crucial deste trabalho, que não deixa margem para dúvidas. O Rapport sur l’établissement projeté du Service Météorologique International des Açores, da autoria de Afonso Chaves, apresenta e fundamenta a organização de um serviço meteorológico dotado de observatórios em quatro ilhas do arquipélago e com uma diversidade e dimensão de estudos e de colaboração internacional que só remotamente se pode comparar com o que de facto veio a ser o Serviço Meteorológico dos Açores. E se esta fonte, impressa em 1900 no principado do Mónaco, esteve sempre disponível para a investigação histórica, o mesmo não se pode dizer de outras fontes que só agora puderam ser escrutinadas e interrogadas.
A elaboração desta tese assenta num vasto trabalho de pesquisa de fontes primárias. Vários arquivos e acervos documentais foram pesquisados. Diga-se, de passagem, que nem sempre com o sucesso esperado. Mas, por vezes, também, com algumas surpresas gratificantes. De todas as fontes manuscritas há, porém, dois conjuntos fundamentais, a que é necessário dar o devido destaque: o espólio particular do coronel Afonso Chaves e o espólio do Observatório Meteorológico do Infante D. Luiz. O primeiro foi o verdadeiro ponto de partida desta tese; o segundo, foi localizado in extremis, quando já estava dado como perdido para este trabalho. Ambos contêm os mais importantes testemunhos coligidos nesta pesquisa sobre o projectado Serviço Meteorológico Internacional, sobre a criação do Serviço Meteorológico dos Açores e sobre a relação hierárquica entre o Observatório do Infante D. Luiz e o Posto Meteorológico de Ponta Delgada, entre 1893 e 1901. No que respeita a esta relação institucional, há a registar que ambos os espólios evidenciam também lacunas importantes e difíceis de interpretar, mas que outras fontes poderão ajudar, no futuro, a esclarecer. De facto, no espólio de Afonso Chaves não existe correspondência trocada com o contra-almirante Brito Capelo, director do Observatório do Infante D. Luiz, na época a que se reporta o processo de tentativa de criação do Serviço Meteorológico Internacional dos Açores. Existem, no entanto, vestígios de que essas cartas existiram, não só através da localização indevida de uma de Brito Capelo, num maço de um outro correspondente, como pela clara alusão que Afonso Chaves faz, noutras cartas, às enviadas para o seu superior hierárquico. No espólio do Observatório do Infante D. Luiz encontram-se algumas significativas cartas de Afonso Chaves e alguns rascunhos de respostas de Brito Capelo, mas apenas entre a nomeação do primeiro para director do posto de Ponta Delgada (1893) e meados do ano seguinte. Apesar destas misteriosas lacunas, ambos os espólios são riquíssimos repositórios documentais do papel desempenhado pelos observatórios de Lisboa e dos Açores na cooperação meteorológica internacional». In Maria da Conceição Silva Tavares, Viagens e Diálogos Epistolares na Construção Científica do Mundo Atlântico, Albert I do Mónaco (1848-1922), Afonso Chaves (1857-1926) e a Meteorologia nos Açores, Tese de Mestrado em História e Filosofia das Ciências, Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências, 2007.

Cortesia da UL-FC/JDACT